UFPA 2013/1

Zé Linguiça

 

Pode até não ser uma verdade comprovada pela história, mas ninguém discute que se trata de uma

belíssima ideia. Na Roma antiga, quando um grande general voltava de uma campanha vitoriosa no

estrangeiro, fazia-se uma fabulosa procissão triunfal pelas ruas da cidade, o “triunfo”, para exibir diante do

mundo a glória do comandante vencedor, e homenagear a grandeza que ele trazia à pátria. Era a honra

máxima que um cidadão romano podia obter, e dava um trabalho danado chegar lá. Ele tinha de ter matado em

combate pelo menos 5000 soldados inimigos. Tinha de mostrar, presos, os chefes derrotados. Tinha de ter

enfrentado um exército pelo menos equivalente ao seu. Tinha, sobretudo, de trazer sua tropa de volta para

casa. O problema, nisso tudo, é que os romanos da Antiguidade eram gente que tinha em altíssima conta a

modéstia pessoal – e, em consequência, fechava a cara para qualquer demonstração de soberba. O que fazer,

então, na hora em que o general vitorioso desfilava perante a multidão como se fosse um rei? É aí que aparece

a ideia mencionada acima. Logo atrás do “triunfador”, no mesmo carro puxado por quatro cavalos que ele

conduzia, ficava um escravo que, de tanto em tanto tempo, lhe dizia baixinho ao ouvido: “Memento mori”. Ou:

“Lembre-se de que você vai morrer um dia”. Nada melhor, provavelmente, para baixar o facho de qualquer alta

autoridade que começa a se achar.

Esse procedimento poderia ser o tipo da coisa útil no governo brasileiro de hoje. Seria uma beleza, por

exemplo, se o chanceler Antonio Patriota, ao desfilar pelo planeta com a sua bela pasta de couro, distribuindo

em nome da presidente Dilma Rousseff as advertências do Brasil para os grandes, médios e pequenos deste

mundo, tivesse algum recurso parecido – naturalmente, com as adaptações necessárias às nossas realidades

atuais. Um oficial de chancelaria, digamos, andaria sempre atrás dele; só que, em vez do severo aviso romano,

ficaria repetindo ao seu ouvido: “Lembre-se do Zé Linguiça”. Deveria ser o suficiente para o dr. Patriota cair

bem depressa na real. Ele se lembraria imediatamente de que vem do país do Zé Linguiça – e ninguém, nem a

presidente Dilma, consegue transformar em potência mundial um país que chega a ter no centro do maior

espetáculo jurídico da sua história, mesmo por um momento fugaz, um cidadão chamado Zé Linguiça. Quem

acompanha o julgamento do mensalão pode estar lembrado desse Zé Linguiça – o elo perdido entre um dos

réus e a mala preta do professor Delúbio Soares, o tesoureiro do PT. Mas falar dele justo nesta hora, na

suprema corte da nossa terra, em seus dias de solenidade máxima? Bem no momento em que cada ministro

quer ser, no mínimo, um Cícero, e outros são capazes de escrever mais de 1000 páginas para dizer se um

cidadão é culpado ou inocente? Pois é – aí vem o Zé Linguiça, e com um personagem desses não há pose que

resista. Some, na hora, o Brasil Grande. Aparece o Brasil de verdade.

Falou-se do ministro Patriota, mas o aviso ao pé do ouvido vale para qualquer grão-duque do poder

público brasileiro, e para a própria presidente da República, quando começam a imaginar que são o rei Luís XV

de França. Quanto à mensagem dos lembretes, então, há uma infinidade de coisas a dizer além do Zé

Linguiça. A voz poderia lhes recordar, por exemplo: “Todo ano há 50000 homicídios no Brasil”. Em três anos,

com 150000 cadáveres, é o equivalente a uma bomba de Hiroshima. Ou: “O ensino médio brasileiro, pelos

dados oficiais de 2011, tem nota 3,7, numa escala que vai de 0 a 10”. Seria possível lembrar que as dez

entradas de São Paulo, a cidade mais rica e possante do Brasil, formam uma das mais pavorosas sucessões

de favelas de todo o mundo; nosso desenvolvimento, em qualquer lugar do país, tem o dom de atrair miséria.

Também seria útil que nossas autoridades, em seus acessos de grandeza, lembrassem que a população

brasileira está proibida de frequentar áreas inteiras das grandes cidades, tomadas por bandidos, vadios e

predadores diversos, como se vivesse sob o toque de recolher imposto por um exército de ocupação. Como

essa gente que está no governo pode dormir em paz num país assim?

Esse pesadelo não foi criado pelo governo da presidente Dilma, nem será resolvido por ela. Mas então,

como o rei da Espanha recomendou tempos atrás ao coronel Hugo Chávez, por que não se calam? Por que se

metem na vida do Paraguai ou dão palpites na economia da Europa? Por uma questão de decência comum, e

em nome do senso de ridículo, todos deveriam fazer, já, um voto de silêncio.

 

Revista Veja, 29 de agosto de 2012.

O trecho em que o autor, ao relatar fatos, expressa sua opinião valendo-se de uma expressão coloquial é

a

“[...] no mesmo carro puxado por quatro cavalos que ele conduzia, ficava um escravo que, de tanto em tanto tempo, lhe dizia baixinho ao ouvido: ‘Memento mori’. Ou: ‘Lembre-se de que você vai morrer um dia’. Nada melhor, provavelmente, para baixar o facho de qualquer alta autoridade que começa a se achar”. (linhas 11 a 14)

b

“Um oficial de chancelaria, digamos, andaria sempre atrás dele; só que, em vez do severo aviso romano, ficaria repetindo ao seu ouvido: ‘Lembre-se do Zé Linguiça’. Deveria ser o suficiente para o dr. Patriota cair bem depressa na real”. (linhas 19 a 21)

c

“Bem no momento em que cada ministro quer ser, no mínimo, um Cícero, e outros são capazes de escrever mais de 1000 páginas para dizer se um cidadão é culpado ou inocente? Pois é – aí vem o Zé Linguiça, e com um personagem desses não há pose que resista. Some, na hora, o Brasil Grande. Aparece o Brasil de verdade”. (linhas 26 a 29)

d

“Falou-se do ministro Patriota, mas o aviso ao pé do ouvido vale para qualquer grão-duque do poder público brasileiro, e para a própria presidente da República, quando começam a imaginar que são o rei Luís XV de França”. (linhas 30 a 32)

e

“Esse pesadelo não foi criado pelo governo da presidente Dilma, nem será resolvido por ela. Mas então, como o rei da Espanha recomendou tempos atrás ao coronel Hugo Chávez, por que não se calam? Por que se metem na vida do Paraguai ou dão palpites na economia da Europa?” (linhas 42 a 44)

Ver resposta
Ver resposta
Resposta
A
Resolução
Assine a aio para ter acesso a esta e muitas outras resoluções
Mais de 250.000 questões com resoluções e dados exclusivos disponíveis para alunos aio.
Tudo com nota TRI em tempo real
Saiba mais
Esta resolução não é pública. Assine a aio para ter acesso a essa resolução e muito mais: Tenha acesso a simulados reduzidos, mais de 200.000 questões, orientação personalizada, video aulas, correção de redações e uma equipe sempre disposta a te ajudar. Tudo isso com acompanhamento TRI em tempo real.
Dicas
expand_more
expand_less
Dicas sobre como resolver essa questão
Erros Comuns
expand_more
expand_less
Alguns erros comuns que estudantes podem cometer ao resolver esta questão
Conceitos chave
Conceitos chave sobre essa questão, que pode te ajudar a resolver questões similares
Estratégia de resolução
Uma estratégia sobre a forma apropriada de se chegar a resposta correta
Depoimentos
Por que os estudantes escolhem a aio
Tom
Formando em Medicina
A AIO foi essencial na minha preparação porque me auxiliou a pular etapas e estudar aquilo que eu realmente precisava no momento. Eu gostava muito de ter uma ideia de qual era a minha nota TRI, pois com isso eu ficava por dentro se estava evoluindo ou não
Sarah
Formanda em Medicina
Neste ano da minha aprovação, a AIO foi a forma perfeita de eu entender meus pontos fortes e fracos, melhorar minha estratégia de prova e, alcançar uma nota excepcional que me permitiu realizar meu objetivo na universidade dos meus sonhos. Só tenho a agradecer à AIO ... pois com certeza não conseguiria sozinha.
A AIO utiliza cookies para garantir uma melhor experiência. Ver política de privacidade
Aceitar