Voltada para o encanto da vida livre do pequeno núcleo
aberto para o campo, a jovem Helena, familiar a todas as
classes sociais daquele âmbito, estava colocada num invejável
ponto de observação. (...)
{5} Sem querer forçar um conflito que, a bem dizer, apenas
se esboça, podemos atribuir parte desta grande versatilidade
psicológica da protagonista aos ecos de uma formação
britânica, protestante, liberal, ressoando num ambiente de
corte ibérico e católico, mal saído do regime de trabalho
{10} escravo. Colorindo a apaixonada esfera de independência da
juventude, reveste-se de acentuado sabor sociológico este caso
da menina ruiva que, embora inteiramente identificada com o
meio de gente morena que é o seu, o único que conhece e ama,
não vacila em o criticar com precisão e finura notáveis, se essa
{15} lucidez não traduzisse a coexistência íntima de dois mundos
culturais divergentes, que se contemplam e se julgam no
interior de um eu tornado harmonioso pelo equilíbriomesmo de
suas contradições.
Alexandre Eulálio, “Livro que nasceu clássico”. In: Helena Morley, Minha vida de menina
De acordo com Alexandre Eulálio, a protagonista do romance Minha vida de menina
vivencia um conflito – uma ideia fortalecida por “a bem dizer” (L. 5).
apresenta certo vínculo com o protestantismo – uma ideia sintetizada por “ecos de uma formação britânica” (L. 7-8).
formou-se num meio alheio ao trabalho escravo – um fato referido por “num ambiente de corte ibérico e católico” (L. 8-9).
rejeita as influências do meio em que vive – uma característica revelada por “precisão e finura notáveis” (L. 14).
tem a sua lucidez psicológica abalada pelas ambivalências de sua educação – um traço reiterado por “equilíbrio mesmo de suas contradições” (L. 17-18).