Vocação do poeta
Não nasci no começo deste século:
Nasci no plano eterno,
Nasci de mil vidas superpostas,
Nasci de mil ternuras desdobradas.
Vim para conhecer o mal e o bem
E para separar o mal e o bem.
Vim para amar e ser desamado.
Vim para ignorar os grandes e consolar os pequenos.
Não vim para construir a minha própria riqueza
Nem para destruir a riqueza dos outros.
Vim para reprimir o choro formidável
Que as gerações anteriores me transmitiram.
Vim para experimentar dúvidas e contradições.
[...]
MENDES, M. Tempo e eternidade. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935.
Embora seja considerado um escritor modernista, Murilo Mendes não se detém nos temas brasileiros, típicos do movimento de 1922. O Texto III revela um eu lírico que procura
defender um sentimento de fraternidade com os oprimidos, por meio de uma arte cristã combativa.
desenvolver uma poesia de cunho metafísico, recorrendo a recursos de oposição de imagens.
expressar uma visão surrealista do mundo e das pessoas, por meio de uma religiosidade intensa.
questionar o fazer poético dos poetas contemporâneos, utilizando metáforas ufanistas.
subverter a tradição poética por intermédio da referência a temas centrais da arte.