Verbo crackar
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa.
Sê pirata
Sede trouxas
Abrindo o pala
Pessoal sarado
Oxalá eu tivesse sabido que esse
verbo era irregular.
Poética
[...]
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto
expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no
dicionário
[o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
[...]
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
‐ Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.
Com base na análise dos poemas 4 e 5, é CORRETO o que se afirma na alternativa
Oswald de Andrade, considerado como poeta irreverente por excelência, faz críticas, no poema 4, à sintaxe exacerbada, predominante na estética passadista parnasiana, tendência à qual o poema 5 também pertence, sendo um dos mais representativos.
Cria, ele próprio, um neologismo – o verbo “crackar”, conjugando‐o em todas as pessoas gramaticais, o que confere ao texto humor, ironia e sentimentalismo, elementos expressos também nas entrelinhas do poema 5, que, assim como o poema 4, incorpora em sua criação o uso de uma linguagem vulgar, voltada para o prosaico, como é o caso de “ escafedem” e “azulam”.
O poema 4 apoia‐se num dos marcantes fatos históricos – a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque. E, ao trabalhar as pessoas gramaticais, há alusão aos investidores, atraídos pela valorização das ações que, à época, já eram um negócio “aparentemente” atraente. Já o poema 5 é uma espécie de manifesto do movimento modernista brasileiro de 1922, no qual o autor elabora críticas e propostas que representam o pensamento estético predominante na época.
No poema 5, Manuel Bandeira revela que a poesia se extrai das coisas mais banais da realidade, renegando assim o sentimentalismo exacerbado dos românticos e dos realistas, enquanto, no poema 4, Oswald de Andrade, por ser de outra tendência artística, confirma o que Bandeira renega.
No poema 4, o autor propõe um novo lirismo, avesso a qualquer convenção. Bandeira repudia quaisquer traços formais em termos de estética, mas, contraditoriamente, faz uso da rima rara e perfeita, retornando ao movimento clássico e romântico. Enquanto isso, o que se observa no poema 5 é que Oswald de Andrade se distancia dessas idiossincrasias poéticas, confirmando sua filiação às tendências da modernidade de 1922.