“Uma vida insignificante - a chegada ao Brasil, a morte do pai que vendia gravatas com o toco do braço que perdeu, um pai saudoso do conde Alexei, cujas botas ele consertava, em seguida o trabalho numa loja, da qual se torna proprietário, depois um casamento insosso, um filho, dois ou três conhecidos, afinal a solidão de sempre e a UTI - e no entanto, para o leitor, que vida trepidante! Atrás do balcão de sua nulidade, nosso herói imagina desvarios de alegria que se desdobram em castelos delirantes de uma outra vida, pontilhada tanto de aeromoças que o amam em bolhas plásticas em pleno céu quanto de um reencontro caloroso com um Noel Nutels que, nos sonhos, o reconheceria imediatamente mesmo anos depois. E o homem que conta vai promovendo também o sonho da comunhão universal, mental e geográfica, o sublime com o torpe, a confluência do índio com a civilização [...] Uma trajetória puramente mental de picos hilariantes, como o major Azevedo, militar da repressão, silenciado por uma inscrição de banheiro sobre sua mulher, ou a militante Sarita, na cidade, conclamando os índios contra o imperialismo do homem branco, de acordo com a orientação ideológica da célula stalinista.”
(Cristóvão Tezza. Fragmento adaptado.)
O texto acima tem como referência:
O fantástico na Ilha de Santa Catarina, de Franklin Cascaes.
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.
A Majestade do Xingu, de Moacyr Scliar.
Várias Histórias, de Machado de Assis.