“Uma noite, porém, finalmente, uma noite fantástica de branca, triunfei! Achei-A... sim, criei-A!... criei-A... Ela é só minha – entendes? – é só minha!... Compreendemo-nos tanto, que Marta é como se fora a minha própria alma. Pensamos da mesma maneira; igualmente sentimos. Somos nós-dois... Ah! e desde essa noite eu soube, em glória soube, vibrar dentro de mim o teu afeto – retribuir-to: mandei-A ser tua! Mas, estreitando-te ela, era eu próprio quem te estreitava... Satisfiz a minha ternura: Venci! E ao possuí-la, eu sentia, tinha nela, a amizade que te devera dedicar – como os outros sentem na alma as suas afeições. Na hora em que a achei – tu ouves? – foi como se a minha alma, sendo sexualizada, se tivesse materializado. E só com o espírito te possuí materialmente! Eis o meu triunfo... Triunfo inigualável! Grandioso segredo!...‘” [...]
Tínhamos chegado. Ricardo empurrou a porta brutalmente...
Em pé, ao fundo da casa, diante de uma janela, Marta folheava um livro...
A desventurada mal teve tempo para se voltar... Ricardo puxou de um revólver que trazia escondido no bolso do casaco e, antes que eu pudesse esboçar um gesto, fazer um movimento, desfechou-lho à queima-roupa...
Marta tombou inanimada no solo... Eu não arredara pé do limiar...
E então foi o mistério... o fantástico mistério da minha vida...
Ó assombro! Ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto da janela, não era Marta – não! –, era o meu amigo, era Ricardo... E aos meus pés – sim, aos meus pés! – caíra o seu revólver ainda fumegante!...
Marta, essa desaparecera, evolara-se em silêncio, como se extingue uma chama...
(SÁ-CARNEIRO, Mário de. A Confissão de Lúcio. São Paulo: Princípio, 1994. p.93-95.)
7 Em A Confissão de Lúcio, o narrador inicia a história dizendo que escrevia o livro com o intuito de se defender da acusação de assassinato que pesava sobre ele.
A partir do texto, considere as afirmativas a seguir.
I. Lúcio tenta provar a sua inocência, revelando que a verdadeira assassina era Marta, cujo desaparecimento fez recair a culpa sobre ele.
II. Lúcio envolve o leitor em uma aura de mistério, deixando em aberto o final da história, e indica uma possível relação homossexual entre ele e Ricardo.
III. O narrador desiste de provar a sua inocência e confessa ter matado o amigo após uma violenta briga causada por ciúmes da amante.
IV. O narrador acena com a possibilidade de Marta não existir fisicamente, sendo apenas uma projeção dos dois amigos.
Assinale a alternativa CORRETA.
Somente as afirmativas I e II são corretas.
Somente as afirmativas II e IV são corretas.
Somente as afirmativas III e IV são corretas.
Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.