FMABC 2018

  Um filme nacional de 2003 − Os narradores de 

Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício 

ameaçado de ser inundado por uma grande represa. 

Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não 

[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en - 

contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co - 

mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma 

cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re - 

cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como 

[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun - 

cia da naquela específica cena, evidencia o quanto 

deixou há muito de ser um termo técnico, especiali - 

zado, vinculado a um saber e a uma política formal, 

para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora 

[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a 

não reconhecimento: a reivindicação de posse de um 

patrimônio é uma demanda de visibilidade. 

Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser 

considerados de valor histórico, os narradores de 

[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias, 

seu mito de fundação, um patrimônio que hoje 

chamamos imaterial, ou intangível. 

  O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor - 

nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou: 

[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo - 

lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica - 

ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva 

“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz 

a legado, herança − e não por acaso o termo em 

[30] inglês é exatamente este: heritage. 

  No filme citado não bastava reconhecer algo 

importante: era preciso escrever, anotar, identificar 

– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que 

pode transmutar os relatos, as estórias passadas em 

[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio” 

− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri - 

mônio não é uma representação coletiva como outra 

qualquer, e sim uma prática constituída por um pro - 

cesso de atribuição de um valor, que deve ser re - 

[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em 

outras palavras, patrimônio histórico remete a polí - 

ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera 

pública. 

  Os grupos sociais atribuem valores distintos 

[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas 

territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem, 

classificam − o ambiente que os rodeia, destacam 

passagens de sua história comum, de um passado 

coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala - 

[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso 

que se trata: de um conjunto de bens materiais ou 

imateriais fruto de uma decisão que partiu da 

identificação de algo que merecia ser destacado, 

retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da 

[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse 

bem chama-se bem patrimonial. 

  O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é 

corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas 

pode ser também um lugar compartilhado, um ponto 

[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con - 

tu do, não estamos diante de um fenômeno universal, 

tampouco permanente. Na França, preocupações 

com patrimônio ou, para usar um termo então uti - 

lizado, com monumentos tiveram início após a Revo - 

[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução 

Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza - 

ção moderna percebida como sem raízes se voltavam 

para um passado préindustrial, localizado na 

arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri - 

[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou 

a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve 

início na nada revolucionária Primeira República 

(1889-1930), quando cidades passavam por 

reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo” 

[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no 

começo do século XX −, e consolidou-se no Estado 

Novo. 

(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393) 

...em uma metáfora poderosa, submersão equivale a esquecimento e a não reconhecimento: a reivindicação de posse de um patrimônio é uma demanda de visibilidade. Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser con - siderados de valor histórico, os narradores de Javé só podem recordar e reinventar suas histórias, seu mito de fun dação, um patrimônio que hoje chamamos imaterial, ou intangível.

Sobre o que se tem no acima transcrito, em seu contexto, comenta-se com propriedade:

a

O emprego da palavra mito sinaliza que os relatos dos narradores eram fruto exclusivo da imaginação. 

b

A conjunção destacada em patrimônio que hoje chama mos imaterial, ou intangível denota que cada uma das designações remete a um específico tipo de patrimônio. 

c

A expressão em uma metáfora poderosa remete à seguinte ideia: é em sentido figurado que se pode entender que “submergir” implica sumir sob as águas.

d

Os dois-pontos introduzem fato que é consequência do que se afirma anteriormente − em uma metáfora poderosa, submersão equivale a esquecimento e a não reconhecimento.

e

O segmento Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser considerados de valor histórico expressa uma circunstância temporal.

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