TEXTO:
Zé Brasil era um pobre coitado. Nasceu e sempre
viveu em casebres de sapé e barro, desses de chão
batido e sem mobília nenhuma... Nem cama tinha. Livros,
só folhinhas – para ver as luas e se ia chover ou não, e
[5] aquele livrinho do Fontoura com a história do Jeca Tatu.
Coitado desse Jeca! dizia Zé Brasil, olhando para aquelas
figuras. Tal qual eu. Tudo que ele tinha, eu também tenho.
A vida de Zé Brasil era a mais simples. Levantar de
madrugada, tomar um cafezinho ralo (“escolha” com
[10] rapadura), com farinha de milho (quando tinha) e ir para
a roça pegar no cabo da enxada. O almoço ele o comia
lá mesmo, levado pela mulher; arroz com feijão e farinha
de mandioca, às vezes um torresmo ou um pedacinho
de carne seca para enfeitar. Depois cabo da enxada
[15] outra vez, até a hora do café do meio-dia. E novamente
a enxada, quando não a foice ou o machado. A luta com
a terra sempre foi brava.
A gente da cidade – como são cegas as gentes
das cidades!... Esses doutores, esses escrevedores nos
[20] jornais, esses deputados, paravam ali e era só crítica:
vadio, indolente, sem ambição, imprestável... não havia
o que não dissessem do Zé Brasil. Mas ninguém punha
atenção nas doenças que derreavam aquele pobre
homem – opilação, sezões, quanta verminose há,
[25] malária. E cadê doutor? Cadê remédio? Cadê jeito? O
jeito era sempre o mesmo: sofrer sem um gemido e
ir trabalhando doente mesmo, até não aguentar mais e
cair como cavalo que afrouxa. E morrer na velha
esteira – e feliz se houver por ali alguma rede em que o
[30] corpo vá para o cemitério, senão vai amarrado com cipó.
Mas você morre, Zé, e sua alma vai para o céu,
disse um dia o padre – e Zé duvidou. Está aí uma coisa
que só vendo! Minha ideia é que nem deixam minha alma
entrar no céu. Tocam ela de lá, como aqui, na vida, o coronel
[35] Tatuíra já me tocou das terras dele.
LOBATO. Monteiro. In: LAJOLO, Marisa (org.). Literatura Comentada. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 123. Adaptado.
Monteiro Lobato, na construção da figura de “Zé Brasil”, ressignifica a imagem da personagem-símbolo “Jeca Tatu”, que é apresentado como preguiçoso, indolente. Essa visão traduzia o lugar ideológico do Monteiro Lobato fazendeiro, descontente e decepcionado com o insucesso de suas iniciativas agrícolas nas terras já esgotadas, herdadas do avô.
A principal mudança na percepção de Monteiro Lobato em relação ao homem do campo é percebida por meio da tese de que Zé Brasil,
assim como Jeca Tatu, é preguiçoso e conformado com o lugar social que lhe é reservado socialmente.
de maneira oposta a Jeca Tatu, ambiciona e busca seu progresso por meio da compreensão da cultura rural.
ao contrário de Jeca Tatu, personagem construída com objetivo específico, é visto como produto da própria sociedade excludente e preconceituosa.
diante de sua própria realidade, não aceita a condição de miséria em que Jeca Tatu vivia e se propõe a reverter a situação do homem caipira em algum momento.
diferentemente de Jeca Tatu, compreende as engrenagens sociais em que está inserido e, assim como as pessoas da cidade, luta em prol de melhores condições de sobrevivência.