TEXTO:
Um dos produtos mais curiosos da indústria
cultural digital é a chamada selfie, autorretrato feito com
celular, que virou mania geral. Em lugares públicos e
privados, o usuário, como quem porta um espelho, vira
[5] a câmera do telefone para o próprio rosto e, “espelho,
espelho meu”, descobre, por meio das redes sociais,
que não existe no mundo ninguém mais bonito do
que “eu”.
O autorretrato foi prática comum na história da
[10] pintura e da fotografia. Hoje em dia ele, é hábito de quem
tem um celular à mão. Em qualquer dos casos, a ação
de autorretratar-se diz respeito a um exercício de
autoimagem no tempo histórico em que técnicas
tradicionais, como o óleo, a gravura, o desenho, foram
[15] a base das representações de si. Hoje ele depende das
novas tecnologias que, no mundo dos dispositivos, estão
ao nosso alcance mais simples.
Não se pode dizer que a invenção da fotografia
digital tenha intensificado apenas quantitativamente a
[20] arte de autorretratar-se. Selfie não é fotografia pura e
simplesmente, não é autorretrato, como os outros. A
selfie põe em questão uma diferença qualitativa. Ela diz
respeito a um fenômeno social relacionado com a
mediação da própria imagem pelas tecnologias, em
[25] específico, o telefone celular. De certo modo, o aparelho
celular constitui, hoje, tanto a democratização quanto
a banalização da máquina de fotografar; sobretudo, do
gesto de fotografar.
O celular tornou-se, além de tudo o que ele já era,
[30] enquanto meio de comunicação e de subjetivação, um
espelho. Nosso rosto é o que jamais veremos senão
por meio do espelho. Mas é o rosto do outro que é nosso
primeiro espelho. O conhecimento de nosso próprio rosto
surge muito depois do encontro com o rosto do outro.
[35] Em nossa época, contudo, cada um compraz-se mais
com o próprio rosto do que com o alheio. O espelho,
em seu sentido técnico, apenas nos dá a dimensão da
imagem do que somos, não do que podemos ser. Ora,
no tempo das novas tecnologias que tanto democratizam
[40] como banalizam a maior parte de nossas experiências,
talvez a experiência atual com o rosto seja a de sua
banalização.
TIBURI, Márcia. Culto do espelho - Selfie e narcisismo contemporâneo. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/ home/2014/11/ culto-doespelho/. Acesso em: 9 mar. 2015.
A leitura do texto permite afirmar corretamente:
O autorretrato é a representação ideológica da contemporaneidade, refletindo valores e ideais próprios desse contexto.
As novas tecnologias reconfiguram um novo conceito de autoimagem, garantindo uma percepção de si mais próxima do verossímil.
O mundo contemporâneo, em razão da democratização das novas tecnologias, vê consolidarem-se atitudes de desprezo e indiferença em relação ao outro e à sua cultura.
O celular, como principal dispositivo das novas tecnologias, perde, ao longo do tempo, suas funções prioritárias, resumindo-se a um espelho de representação social.
A disseminação das novas tecnologias, ao contrário do autorretrato do passado, democratiza o processo de consolidação da autoimagem, banalizando esse ato, na atualidade.