TEXTO
Sobre peixes e linguagem
Marcos Bagno
Me ocorre frequentemente a ideia de que nós nos relacionamos com a linguagem assim como os peixes se relacionam com a água. Fora da água, o peixe não existe, toda a sua natureza, seu desenho, seu organismo, seu modo de ser estão indissociavelmente vinculados à água. Outros animais até conseguem sobreviver na água ou se adaptar a ela, como focas, pinguins, sapos e salamandras, que levam uma existência anfíbia. Mas os peixes não: ser peixe é ser na água. Com os seres humanos é a mesma coisa: não existimos fora da linguagem, não conseguimos sequer imaginar o que é não ter linguagem — nosso acesso à realidade é mediado por ela de forma tão absoluta que podemos dizer que para nós a realidade não existe, o que existe é a tradução que dela nos faz a linguagem, implantada em nós de forma tão intrínseca e essencial quanto nossas células e nosso código genético. Ser humano é ser linguagem. Mas a comparação com o peixe também pode se aplicar a uma outra dimensão da linguagem, que é a única forma como a linguagem realmente adquire existência: a dimensão textual. Abrir a boca para falar, empunhar um instrumento para grafar o que quer que seja, ativar a memória, raciocinar, sonhar, esquecer... todas essas atividades humanas só se realizam como textos. Só tem linguagem onde tem texto. No entanto, por alguma misteriosa razão, os estudos linguísticos durante quase dois milênios desprezaram esse caráter essencialmente textual da linguagem humana.
Talvez justamente por ele ser tão íntimo e inevitável quanto respirar, algo que fazemos tão intuitivamente que nunca nos detemos para refletir sobre isso, é que o caráter textual de toda manifestação da linguagem tenha sofrido esse soberano desprezo. E as consequências desse desprezo, para a educação, configuram a tragédia pedagógica que tão bem conhecemos: a redução do estudo da língua, na escola, à palavra solta e à frase isolada.
Uma palavra solta, uma frase isolada são um peixe fora d’água. O texto é o ambiente natural para qualquer palavra, qualquer frase. Fora do texto, a palavra sufoca, a frase estrebucha e morre. E como pode o peixe vivo viver fora da água fria? [...]
Prefácio do livro Análise de texto: fundamentos e prática, de Irandé Antunes.
A concordância verbo-nominal, assim como a colocação pronominal constituem uma indicação do uso prestigiado da língua portuguesa. Com base nas normas da concordância e da colocação pronominal, analise os comentários feitos a partir do texto e assinale a alternativa correta.
No fragmento “Uma palavra solta, uma frase isolada são um peixe fora d’água”, o verbo faz a concordância com os termos “palavra” e “frase”, apresentando-se na 3ª pessoa do plural, o que fere as regras básicas de concordância verbal.
No início do texto, o autor utiliza-se de uma colocação pronominal bastante comum entre os falantes brasileiros, mas considerada errada por muitas gramáticas, que é começar com próclise orações.
“Outros animais até conseguem sobreviver na água ou se adaptar a ela, como focas, pinguins, sapos e salamandras, que levam uma existência anfíbia.” Nessa frase, é possível colocar o verbo adaptar no plural sem incorrer em erro de concordância verbal.
No fragmento “Com os seres humanos é a mesma coisa: não existimos fora da linguagem, não conseguimos sequer imaginar o que é não ter linguagem...”, a forma verbal “existirmos” deveria ficar na 3ª pessoa do plural, já que concorda com o termo “os seres humanos”;
Os termos “frequentemente” e “ideia”, antes do acordo ortográfico, recebiam o trema e o acento agudo respectivamente.