Texto
Romanceiro da Inconfidência Romance XXIV
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
[5] E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
[10] de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
[15] falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
Atrás de portas fechadas,
[20] à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
[25] Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Atrás de portas fechadas,
[30] à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
Liberdade, ainda que tarde,
ouve-se em redor da mesa.
[35] E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
[40] (que ninguém sabe o que seja).
Liberdade — essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
[45] E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfi dência. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1953. p.103-105. Fragmento.
O verso que apresenta o recurso semântico da metonímia para descrever os participantes da conjuração é
“Atrás de portas fechadas” (v. 19)
“à luz de velas acesas” (v. 20)
“e pensam de mil maneiras” (v. 12)
“uns sugerem, uns recusam” (v. 21)
“E há finas mãos pensativas” (v. 5)