TEXTO
PERGUNTAR É PRECISO?
Não deixa de ser curioso perceber que a escola vive de fazer perguntas, mas pouco ensina a perguntar.
Por que isso acontece?
Talvez porque as perguntas que se façam na escola não sejam, em sua maioria, perguntas autênticas.
O professor que pergunta já sabe a resposta. Logo, suas perguntas são antes retóricas, formuladas não
[5] para se explorar uma dúvida real, mas sim para levar os alunos à resposta que ele deseja. O autor de uma
pergunta autêntica, ao contrário, não sabe previamente a sua resposta – ele pergunta porque não sabe
e quer saber.
A caricatura de uma aula de perguntas inautênticas é realizada por aquele professor que fala com lacunas:
“quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Ca...? ...Bral, muito bem!”. Mas, como chamar a pergunta
[10] retórica de inautêntica sugere que ela é apenas negativa, chamemo-la de escolar, pois também pode
ser útil tanto para fixar o conhecimento quanto para avaliá-lo (o que não ocorre na caricatura anterior).
No entanto, ainda assim precisamos reconhecer que perguntas desse tipo não são suficientes para
desenvolver o pensamento do aluno e para que ele próprio produza o seu conhecimento. Torna-se
então necessário, em primeiro lugar, estimulá-lo com perguntas autênticas, que de fato o levem a
[15] pensar à frente do que está sendo ensinado; torna-se também necessário, em segundo lugar, levá-lo a
fazer perguntas autênticas, quer para o professor quer para si mesmo.
Por que o professor precisa fazer também perguntas autênticas? Primeiro e mais do que tudo, para dar
o exemplo de uma maneira de pensar curiosa, inquisitiva, especulativa, ou seja, própria do pensamento
científico. Não há método de educação mais eficiente do que o velho método do exemplo. Se, como
[20] professor, passo para meu aluno o exemplo de uma atitude especulativa e responsável, levo-o a ter a
mesma atitude, ou seja, ensino-lhe o principal: não fórmulas decoradas, mas sim como chegar por si
mesmo às fórmulas existentes e ainda produzir novas, mais eficientes. Outra razão para o professor se
habituar a fazer perguntas autênticas para os alunos, dividindo dúvidas reais, encontra-se na conhecida
definição de Guimarães Rosa: “professor é aquele que de repente aprende”.
[25] O bom exemplo do professor perguntador acompanha uma metodologia da pergunta. Deve-se
estimular o aluno a expressar dúvidas reais, tanto oralmente quanto por escrito. Depois, deve-se mostrar
como lhe ajuda usar perguntas para estudar – por exemplo, pedindo, como trabalho a ser avaliado, dez
perguntas autênticas sobre o livro que estiver sendo lido. Apenas a discussão das perguntas formuladas
pelos alunos já oferece a oportunidade para aulas ótimas.
[30] Veja o leitor como terminei o primeiro e como comecei o quinto parágrafos deste texto: com perguntas.
Elas não só me ajudam a desenvolver meu raciocínio como também ajudam o leitor a acompanhá-lo.
Entretanto, meu leitor, sempre crítico, pode dizer que minhas perguntas se confundem com perguntas
retóricas. Ora, caro leitor, você pensa isso porque ainda guarda na cabeça a ideia de que um texto se
encontra inteiro dentro da cabeça antes de ser escrito, o que não é verdade. O pensamento se forma à
[35] medida que é formado, isto é, à medida que o expressamos.
Lembremos aqui o aforisma completo do filósofo do século XVII René Descartes: dubito ergo sum, vel
quod item est, cogito ergo sum. Ou, em bom português: “duvido logo existo, ou, o que é o mesmo, penso
logo existo”. Para pensar é preciso duvidar; para pensar é preciso fazer boas perguntas.
GUSTAVO BERNARDO Adaptado de Conversas com um professor de literatura. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.
As ideias presentes nos intertextos, citados no quinto e no último parágrafos, possuem o seguinte objetivo principal em relação às ideias propostas pelo autor:
refutá-las
elogiá-las
corrigi-las
ratificá-las