TEXTO PARA A QUESTÃO
Tornando da malograda espera do tigre, alcançou o
capanga um casal de velhinhos, que seguiam diante dele o
mesmo caminho, e conversavam acerca de seus negócios
particulares. Das poucas palavras que apanhara, percebeu
[5] Jão Fera que destinavam eles uns cinquenta mil-réis, tudo
quanto possuíam, à compra de mantimentos, a fim de fazer
um moquirão*, com que pretendiam abrir uma boa roça.
— Mas chegará, homem? perguntou a velha.
— Há de se espichar bem, mulher!
[10] Uma voz os interrompeu:
— Por este preço dou eu conta da roça!
— Ah! É nhô Jão!
Conheciam os velhinhos o capanga, a quem tinham
por homem de palavra, e de fazer o que prometia.
[15] Aceitaram sem mais hesitação; e foram mostrar o lugar que
estava destinado para o roçado.
Acompanhou-os Jão Fera; porém, mal seus olhos
descobriram entre os utensílios a enxada, a qual ele
esquecera um momento no afã de ganhar a soma precisa,
[20] que sem mais deu costas ao par de velhinhos e foi-se
deixando-os embasbacados.
José de Alencar, Til.
* moquirão = mutirão (mobilização coletiva para auxílio mútuo, de caráter gratuito).
Considerada no contexto histórico-social figurado no romance Til, a brusca reação de Jão Fera, narrada no final do excerto, explica-se
pela ambição ou ganância que, no período, caracterizava os homens livres não proprietários.
por sua condição de membro da Guarda Nacional, que lhe interditava o trabalho na lavoura.
pela indolência atribuída ao indígena, da qual era herdeiro o “bugre".
pelo estigma que a escravidão fazia recair sobre o trabalho braçal.
pela ojeriza ao labor agrícola, inerente a sua condição de homem letrado.