Texto para a questão
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
É compatível com o poema de Drummond o que se encontra na seguinte alternativa:
O poeta realiza um balanço, entre decepcionado e irônico, de seu próprio percurso poético, o que inclui até mesmo uma referência a um de seus poemas anteriores mais conhecidos.
O poema recupera a forma clássica do soneto com o intuito principal de criticar o tradicionalismo que assolava a poesia brasileira desde a assim chamada “Geração de 1945”.
O texto se configura como uma profissão de fé nacionalista, dirigida contra o caráter enganoso e nocivo das influências estrangeiras sobre a cultura nacional.
O eu lírico lança mão da metalinguagem para dar voz a seu amargo arrependimento de ter participado do movimento modernista, que ele agora repudia.
A presença de referências mitológicas, em especial ao mito de Orfeu, insere o poema na tradição pagã inaugurada, no Brasil, pelo Parnasianismo.