CN 2018

Texto para a questão.

 

Correndo risco de vida

 

    Em uma de suas histórias geniais, Monteiro Lobato
nos apresenta o reformador da natureza, Américo Pisca-
Pisca. Questionando o perfeito equilibrio do mundo
natural, Américo Pisca-Pisca apontava um desequilíbrio
flagrante no fato de uma enorme árvore, como a
jabuticabeira, sustentar frutos tão pequeninos, enquanto a
colossal abóbora é sustentada pelo caule fino de uma
planta rasteira. Satisfeito com sua grande descoberta,
Américo deita-se sob a sombra de uma das jabuticabeiras
e adormece. Lá pelas tantas, uma frutinha lhe caí bem na
ponta do seu nariz. Aturdido, o reformador se dá conta de
sua lógica.

    Se os reformadores da natureza, como Américo
Pisca-Pisca, já caíram no ridículo, os reformadores da
língua ainda gozam de muito prestígio. Durante muito
tempo era possível usar a expressão “fulano não corre
mais risco de vida”. Qualquer falante normal decodificava
a expressão "risco de vida" como “ter a vida em risco”. E
tudo ia muito bem, até que um desses reformadores da
lingua sentenciou, do alto da sua vã inteligência: “não é
risco de vida, é risco de morte”. Quer dizer que só ele
teve essa brilhante percepção, todos os outros falantes da
lingua não passavam de obtusos irrecuperáveis. É o tipo
de sujeito que acredita ter inventado a roda. E impressiona
a fortuna crítica de tal asneira. Desde então, todos os
jornais propalam “o grande líder sicrano ainda corre o risco
de morte”. E me desculpem, mas risco de morte é muito
pernóstico.

    Assim como o reformador da natureza não entende
nada da dinâmica do mundo natural, esses gramáticos
que pretendem reformar o uso linguístico invocando sua
pretensa racionalidade não percebem coisa alguma da
lógica de funcionamento da língua. Como bem ensinou
Saussure, fundador da linguística moderna, tudo na língua
é convenção. A expressão risco de vida, estava
consagrada pelo uso e não se criava problemas na
comunicação, porque nenhum falante, ao ouvir tal
expressão, pensava que o sujeito corra risco de viver.

    A relação entre as formas linguísticas e o seu
conteúdo é arbitrária e convencionada socialmente. Em
Japonês, por exemplo, o objeto precede o verbo. Diz-se
"João o bolo comeu” em vez de “João comeu o bolo”,
como em português. Se o nosso reformador da língua
baixasse por lá, tentaria convencer os japoneses de que o
verbo preceder o seu objeto é muito mais lógico!

    Mas os ingênuos poderiam argumentar: o nosso
oráculo gramatical não melhorou a língua tornando-a mais
lógica? Não, meus caros, ele a empobreceu. Pois, ao lado
da expressão mais trivial “correr o risco de cair do cavalo”,
a lingua tem uma expressão mais sofisticada: correr risco
de vida. Tal construção dissonante ampla as
possibilidades expressivas da língua, criando um veio que
pode vir a ser explorado por poetas e demais criadores da
língua. “Corrigir” risco de vida por risco de morte é
substituir uma expressão mais sutil e sofisticada por sua
versão mais imediata, trivial e óbvia. E um recurso
expressivo passou a correr risco de vida pela ação
nefanda dos fariseus no templo democrático da língua.

LUCCHESI, Dante. Correndo risco de vida. A Tarde, 17 set.2006, p.3, Opinião - adaptado

No trecho “Como bem ensinou Saussure, fundador da linguística moderna, tudo na língua é convenção” (§3º), o emprego das vírgulas se justifica por

a

separar uma oração coordenada assindética.

b

isolar uma expressão apositiva.

c

separar termos com a mesma função sintática.

d

isolar um advérbio deslocado.

e

separar uma oração subordinada adjetiva explicativa.

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Resposta
B
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