Texto
PAPOS
- Me disseram..
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto é “disseram-me”. Não “me
disseram”.
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é
“digo-te”?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O “te” e o “você” não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e
chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a
cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de
me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-
me. Falo como bem entender. Mais uma
correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te.
Ouviu bem?
- Eu só estava querendo...
- Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar
certo é elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é
me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como “esquece”? Você prefere falar
errado? E o certo é “esquece” ou “esqueça”?
Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-melo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como
quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado
que mas dá. Mas não posso mais dizer-lo-te o
que dizer-te-ia.
- Por quê?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se Ler na Escola. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001.)
Esta crônica (texto) brinca com o uso do padrão culto da língua.
Assim,
pode-se dizer que o autor quis criticar as padronizações da chamada linguagem culta. Dessa maneira, ele se utiliza da ironia.
é apresentado que os dois personagens dominam a norma padrão.
o título é inadequado, pois que há um diálogo simples entre duas pessoas.
há um consenso entre os dois personagens de que pôr os pronomes no lugar correto é elitismo.
podemos entender que ambos os personagens são intransigentes e se fecham entre si.