UESB 2017

TEXTO:

Ódio à inteligência: sobre o anti-intelectualismo

    Os preconceitos não são inúteis. Eles têm uma

função importantíssima na economia psíquica do

preconceituoso. Sem os preconceitos, a vida do

preconceituoso seria insuportável. Os preconceitos

[5] servem, na prática, para favorecer uns e desfavorecer

outros, para confirmar certezas incontrastáveis, manter

a ordem e descontextualizar os fenômenos. São parte

fundamental dos jogos de dominação e de poder, servem

para mistificar, para manipular, mas servem, sobretudo,

[10] para sustentar um ideal falso na pessoa do

preconceituoso, ideal acerca de si mesmo, um ideal de

“superioridade”, sem o qual os preconceitos seriam

eliminados porque perderiam, aí sim, a sua função

fundante.

[15]    Ainda que sejam psicológicos e não lógicos, daí a

aparência de irracionalidade, os preconceitos funcionam

a partir de uma lógica binária, bem simples, uma espécie

de “lógica da identidade”, mas em um sentido muito

elementar, a lógica da medida que reduz tudo, seja a

[20] vida, as culturas, as sociedades, as pessoas, ao

parâmetro “superior-inferior”. [...]

    Vivemos tempos de descompensação emocional

profunda, em uma espécie de vazio afetivo (junto com

um vazio do pensamento e um vazio da ação que se

[25] resolve em consumismo acrítico tanto de ideias quanto

de mercadorias). Nesses tempos, a oferta de

preconceitos se torna imensa. No sistema de

preconceitos, o objeto do preconceito varia, conforme

uma estranha oferta: se há muitos judeus, pode-se dirigir

[30] o ódio, que é o afeto básico do preconceito, contra eles.

Se há mulheres, homossexuais, negros, indígenas,

lésbicas ou travestis, o ódio será lançado sobre eles,

conforme haja oportunidade. Verdade que o ódio é sempre

dirigido àquele que ameaça, ou seja, no fundo do ódio

[35] há muito medo. O preconceituoso é, na verdade, em um

sentido um pouco mais profundo, alguém que tem muito

medo, mas, em vez de enfrentar seu medo com coragem,

ele usa a covardia, justamente porque é impotente para

enfrentar seu próprio medo.

[40]    O preconceituoso é, basicamente, um covarde.

          Tendo isso em vista, é importante falar de um

preconceito que está em voga nesse momento: o

anti-intelectualismo. Há um ódio que se dirige

atualmente à inteligência, ao conhecimento, à ciência,

[45] ao esclarecimento, ao discernimento. Ao mesmo tempo,

esse ódio é velado, pois o lugar do saber é um lugar de

poder que é interessante para muitos. Se podemos falar

em “coronelismo intelectual” como um uso elitista do

conhecimento, e de “ignorância populista” como um uso

[50] elitista da ignorância, como duas formas de exercer o

poder manipulando o campo do saber, podemos falar

também de um ódio à inteligência, do seu apagamento.

    Há, dividindo espaço com opressões próprias ao

campo do saber, um estranho ódio ao saber em sua

[55] forma crítica e desconstrutiva. Um ódio que se relaciona

com a ameaça libertária do saber, um saber capaz de

desmistificar, de contrastar certezas e de desvelar a

ignorância que serve de base para todos os preconceitos.

O pensamento e a ousadia intelectual tornaram-se

[60] insuportáveis para muitas pessoas chegando a um nível

institucional e, não raro, acabam excluídos ou mesmo

criminalizados. [...]

    Em meio à onda anti-intelectualista, não causa

surpresa que a lógica do pensamento passa a trabalhar

[65] com categorias pré-modernas, como o “messianismo” e

a “peste”. O messianismo identifica-se com a construção

de heróis e salvadores da pátria (seres diferenciados,

bravos e destemidos, mas que não são necessariamente

cultos ou inteligentes, nem corajosos, mas usam uma

[70] performance política em que gritar e esbravejar provocam

efeitos populistas). A lógica da peste identifica cada um

dos problemas brasileiros como um mal indeterminado,

em sua extensão, em suas formas e em suas causas,

mas tangível e mortal, contra o qual só Deus ou pessoas

[75] iluminadas podem resolver. Só há “messianismo” e

“peste”, fenômenos típicos de um conservadorismo

carente de reflexão, onde desaparece o saber e a

educação.

TIBURI, Marcia e CASARA, Rubens. Ódio à inteligência: sobre o antiintelectualismo. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2016/ 10/50931/>. Acesso em: 08 nov. 2016.

Para caracterizar a atitude denominada “preconceito”, há uma asserção compatível com o texto em

a

Reação de indivíduos que, por força de um vazio afetivo, necessitam de reconhecimento público de suas próprias qualidades e se voltam contra todos aqueles que não as reconhecem ou as rechaçam.

b

Sentimento de medo, encoberto pelo ódio, que se expressa contra tudo que ameace uma suposta e falsa superioridade do indivíduo, o que o faz assentar seus juízos de valor em polos opostos de superioridade e inferioridade.

c

Visão de mundo que confina o indivíduo nos limites de sua própria experiência, a qual serve de suporte para juízos de valor generalistas e equivocados, dirigidos a seus próprios semelhantes e a todos os fenômenos do contexto que o cerca.

d

Procedimento hostil do indivíduo, dirigido a todos que se concebem ou se colocam como superiores a ele, julgando-os a partir de generalizações que confrontam o “certo” e o “errado”, o “bem” e o “mal”, numa dicotomia polarizada de seus juízos de valor.

e

Comportamento cuja expressão mais evidente é a covardia, decorrente do medo de não conseguir sobreviver num mundo em que o saber, o conhecimento e o senso crítico vêm sendo valorizados, juntamente com princípios políticos e valores morais.

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B
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