UEFS Caderno 1 2014/1

TEXTO:

 

O vergalho

 

    Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por

aquele Valongo* fora, logo depois de ver e ajustar a casa.

Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que

vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir;

5 gemia somente estas únicas palavras: — “Não, perdão,

meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não

fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma

vergalhada nova.

    — Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão,

10 bêbado!

    — Meu senhor! gemia o outro.

    — Cala a boca, besta! replicava o vergalho.

Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o

do vergalho? Nada menos que o meu moleque

15 Prudêncio, — o que meu pai libertara alguns anos antes.

Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção;

perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

    — É, sim, nhonhô.

    — Fez-te alguma cousa?

20     — É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda

hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo

na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.

    — Está bom, perdoa-lhe, disse eu.

    — Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede.

25 Entra para casa, bêbado!

    Saí do grupo, que me olhava espantado e

cochichava as suas conjecturas. Segui caminho, a

desfiar uma infinidade de reflexões, que sinto haver

inteiramente perdido; aliás, seria matéria para um bom

30 capítulo, e talvez alegre. Eu gosto dos capítulos alegres;

é o meu fraco. Exteriormente, era torvo o episódio do

Valongo; mas só exteriormente. Logo que meti mais

dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato,

fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha

35 de se desfazer das pancadas recebidas, — transmitindo-as

a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio

na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e

sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo,

dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir,

40 desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se

desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com

alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as

sutilezas do maroto!

MACHADO DE ASSIS. Capítulo LXVIII. O vergalho. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. p. 78. *Valongo - no Brasil escravagista, local utilizado para venda de escravos 

Quanto aos aspectos estilísticos e retóricos presentes no texto, é correto o que se afirma em

a

A elipse que se evidencia na frase “era um preto que vergalhava outro na praça.” (l. 3-4) permite inferir o preconceito racial no comportamento da personagem Prudêncio.

b

O vocativo presente em “Toma, diabo!” (l. 9) denuncia, por meio da metáfora, a repugnância de Prudêncio diante de uma ideologia religiosa diversa da por ele praticada.

c

O uso da interrogação em “Quem havia de ser o do vergalho?” (l. 13-14) intensifica a indignação do sujeito narrador por não reconhecer o indivíduo que maltratava o outro.

d

A frase “Eu gosto dos capítulos alegres; é o meu fraco.” (l. 30-31) caracteriza a metalinguagem do texto, na medida em que o sujeito narrador explica algo sobre si mesmo em sua própria narrativa.

e

A expressão “faca do raciocínio” (l. 33) consiste em uma metáfora que traduz o ato agressivo do sujeito narrador em relação ao seu antigo escravo.

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D
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