TEXTO:
O sexto sentido
Os cinco sentidos são, a um tempo, seres da
“caixa de ferramentas” e seres da “caixa de brinquedos”.
Como ferramentas, os sentidos nos fazem conhecer o
mundo. A cor vermelha, no semáforo, diz que é preciso
[5] parar o carro. O som da buzina chama a minha atenção
para um carro que se aproxima. O cheiro estranho na
cozinha me adverte de que o gás está aberto. Como
brinquedos, os cinco sentidos me informam que o mundo
está cheio de beleza. Os sentidos são órgãos sexuais:
[10] com eles fazemos amor com o mundo. Dão-nos prazer
e alegria.
Mas há um sexto sentido dotado de propriedades
mágicas, um sentido que nos permite fazer amor com
coisas que não existem... Esse sentido se chama
[15] “pensamento”. Digo que o pensamento é um sentido
mágico porque ele tem o poder de chamar à existência
coisas que não existem e de tratar as coisas que
existem como se não existissem. E é dele que surge a
grandeza dos seres humanos. O pensamento nos dá
[20] asas, ele nos transforma em pássaros!
“Mas que realidade tem as coisas que não
existem?”, poderão perguntar os filósofos. Aí serão os
poetas que darão respostas aos filósofos. “Que seria
de nós sem o socorro das coisas que não existem?”,
[25] perguntava Paul Valery. E Manoel da Barros
acrescentaria: “As coisas que não existem são mais
bonitas...” Leonardo da Vinci pensava e desenhava
máquinas que não existiam e que só poderiam existir
num futuro distante. Mas que alegria aquelas entidades
[30] não existentes lhe davam! Por isso ele as guardava como
segredos perigosos que, se conhecidos, poderiam
levá-lo à Inquisição. Mas o prazer valia o risco.
Que extraordinário exercício de alienação é a
literatura! Mergulhados num livro, a realidade que nos
[35] cerca deixa de existir. Estamos inteiramente no mundo
do pensamento. Se Marx estava certo ao afirmar que “o
homem é o mundo do homem”; então, na literatura,
tornamo-nos criaturas dos muitos mundos da fantasia.
Tornamo-nos personagens de uma história inventada,
[40] “atores” de teatro. Os atores são seres alienados da
realidade por estarem vivendo totalmente no mundo da
ficção. Todo artista é um fingidor. Todo leitor tem de ser
um fingidor. Fingir, brincar de fazer de contas, tratar as
coisas que são como se não fossem e as coisas que
[45] não são como se fossem! É dessa loucura que surgem
as mais belas criações da arte e da ciência. Por isso, eu
me daria por feliz se a educação fizesse apenas isso:
introduzir os alunos no mundo mágico do pensamento
tal como ele acontece na literatura... Quem experimentou
[50] a magia do pensamento uma única vez não se esquece
jamais.
ALVES, Rubem. O sexto sentido. A casa de Rubem Alves. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2011. Adaptado.
Identifique as afirmativas verdadeiras.
I. A forma verbal “Dão” (l. 10) registra uma inadequação na sua regência, justificada pelos vocábulos “prazer e alegria”.
II. O termo “um sexto sentido” (l. 12) exerce função subjetiva, apresentando o assunto principal do segundo parágrafo.
III. A expressão “no mundo do pensamento” (l. 35-36) apresenta valor circunstancial, indicando o lugar em que o leitor se encontra quando está em contato com a literatura.
IV. A locução “de uma história inventada” (l. 39) restringe o sentido de “personagens” (l. 39), assim como “da realidade” (l. 40-41), o de “alienados” (l. 40).
V. A oração “por estarem vivendo totalmente no mundo da ficção.” (l. 41-42) evidencia a causa pela qual os atores são alienados.
A alternativa em que todas as afirmativas verdadeiras estão indicadas é a
I e II.
II e III.
III e V.
IV e V.
I, III e IV.