Texto
O relógio
Nenhum igual àquele.
A hora no bolso do colete é furtiva,
a hora na parede da sala é calma,
a hora na incidência da luz é silenciosa.
[5] Mas a hora no relógio da Matriz é grave
como a consciência.
E repete. Repete.
Impossível dormir, se não a escuto.
Ficar acordado, sem sua batida.
[10] Existir, se ela emudece.
Cada hora é fixada no ar, na alma,
continua sonhando na surdez.
Onde não há mais ninguém, ela chega e avisa
varando o pedregal da noite.
[15] Som para ser ouvido no longilonge
do tempo da vida.
Imenso
no pulso
este relógio vai comigo
ANDRADE, Carlos Drummond de. Boitempo: esquecer para lembrar. 1968. Livrandante. Disponível em: http://livrandante. com.br/carlos-drummond-de-andrade-boitempo-esquecer-para-lembrar/. Acesso em: 20 ago. 2019
O Texto exemplifica o seguinte aspecto da obra do poeta modernista Carlos Drummond de Andrade:
impessoalidade no tratamento de temas, com ausência de subjetivismo e emoção
valorização do cotidiano pela utilização de linguagem rebuscada e preocupação formal
reflexão metafísica e existencial, por meio do emprego de versos livres e ausência de rimas
busca do real por meio da exploração de aspectos visuais e sonoros de objetos e lugares
retomada da tradição lírica na abordagem de temas como o amor, a vida e a terra natal