TEXTO
O reinado do celular
De alto a baixo da pirâmide social, quase todas as pessoas que eu conheço possuem celular. E realmente um grande quebra-galho. Quando estamos na rua e precisamos dar um recado, é só sacar o aparelhinho da bolsa e resolver a questão, caso não dê pra esperar chegar em casa. Pra isso – e só pra isso – serve o telefone móvel, na minha inocente opinião.
Ao contrário da maioria das mulheres, nunca fui fanática por telefone, incluindo o fixo, Uso com muito comedimento para resolver assuntos de trabalho, combinar encontros, cumprimentar alguém, essas coisas relativamente rápidas. Fazer visita por telefone é algo para o qual não tenho a menor paciência. Por celular, muito menos. Considero-o um excelente resolvedor de pendências e nada mais.
Logo, você pode imaginar meu espanto ao constatar como essa engenhoca se transformou no símbolo da neurose urbana. Outro dia fui assistir a um show. Minutos antes de começar, o lobby do teatro estava repleto de pessoas falando ao celular. "Vou ter que desligar, o espetáculo vai começar agora". Era como se todos estivessem se despedindo antes de embarcar para a lua. Ao término do show, as luzes do teatro mal tinham acendido quando todos voltaram a ligar seus celulares e instantaneamente se puseram a discar. Para quem? Para quê? Para contar sobre o show para os amigos, para saber o saldo no banco, para o tele-horóscopo?? Nunca vi tamanha urgência em se comunicar à distância. Conversar entre si, com o sujeito ao lado, quase ninguém conversava.
O celular deixou de ser uma necessidade para virar uma ansiedade. E toda ânsia nos mantém reféns. Quando vejo alguém checando suas mensagens a todo minuto e fazendo ligações triviais em público, não imagino estar diante de uma pessoa ocupada e poderosa, e sim de uma pessoa rendida: alguém que não possui mais controle sobre seu tempo, alguém que não consegue mais ficar em silêncio e em privacidade. E deixar celular em cima de mesa de restaurante, só perdoo se o cara estiver com a mãe no leito de morte e for ligeiramente surdo.
Isso tudo me ocorreu enquanto lia o livro infantil O menino que queria ser celular, de Marcelo Pires, com ilustrações de Roberto Lautert, Conta a história de um garotinho que não suporta mais a falta de comunicação com o pai e a mãe, já que ambos não conseguem desligar o celular nem por um instante, nem no fim de semana - levam o celular até para o banheiro. O menino não tem vez. Aí a ideia: se ele fosse um celular, receberia muito mais atenção.
Não é história da carochinha, isso rola pra valer. Adultos e adolescentes estão virando dependentes de um aparelho telefônico e desenvolvendo uma nova fobia: medo de ser esquecido. E dá-lhe falar a toda hora, por qualquer motivo, numa esquizofrenia considerada, ora, ora, moderna.
Os celulares estão cada dia menores e mais fininhos. Mas são eles que estão botando muita gente na palma da mão.
(MEDEIROS, Martha. O reinado do celular. Tn: - Montanha Russa; Coisas da vida; Feliz por nada. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p. 369-370.)
A respeito do uso do telefone celular, que opção apresenta uma referência argumentativa comum aos dois textos?
O uso descontrolado e inconsequente do celular pode provocar interferências devastadoras na educação de uma criança, ressentida com o aparente abandono de seus responsáveis.
As conversas por telefone fixo e, sobretudo, pelo celular não conseguem realizar, efetivamente, uma interação direta entre as pessoas, como as antigas e tradicionais visitas aos amigos.
O advento do celular, um dos mais surpreendentes empregos da tecnologia a serviço da comunicação, nem sempre facilita a aproximação entre as pessoas.
Falar muito alto ao celular, em lugares públicos, tornou-se um hábito muito frequente entre as pessoas, que acabam partilhando indevidamente assuntos particulares com ouvintes anônimos.
Ironicamente, a sofisticação na tecnologia e o tamanho dos celulares, cada vez menores, facilitam ainda mais o domínio desses aparelhos sobre as pessoas.