TEXTO:
Morreu um trovador — morreu de fome.
Acharam-no deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava-lhe um riso esperançoso.
E o morto parecia adormecido.
[...]
Todos o viam e passavam todos.
Contudo era bem morto desde a aurora.
Ninguém lançou-lhe junto ao corpo imóvel
Um ceitil para a cova!... nem sudário!
O mundo tem razão, sisudo pensa,
E a turba tem um cérebro sublime!
De que vale um poeta — um pobre louco
Que leva os dias a sonhar — insano
Amante de utopias e virtudes
E, num tempo sem Deus, ainda crente?
[...]
A poesia é de certo uma loucura;
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doidos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer-lhes bravo! à inspiração divina,
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora,
Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício?
AZEVEDO, Álvares de. Um cadáver de poeta. Lira dos vinte anos. São Paulo: FTD, 1994. p. 126-127. (Coleção Grandes Leituras).
Que é o poeta?
um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
RICARDO, Cassiano. Poética 2. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. p. 84. (Coleção Brasil Moço, 3).
Comparando-se os versos de Cassiano Ricardo, poeta modernista, com os do texto anterior, de Álvares de Azevedo, é correto afirmar:
Tanto o texto anterior quanto esse enfocam a poesia como fruto da inspiração momentânea.
Ambos os textos denunciam a desvalorização da poesia no contexto de suas respectivas épocas.
Os dois textos apresentam o poeta como um homem que precisa do prosaico e não vive apenas de idealizações.
O texto anterior, de Álvares de Azevedo, mostra o poeta como o homem situado no seu contexto histórico; já o de Cassiano Ricardo revela o poeta como um ser atemporal.
O texto de Álvares de Azevedo caracteriza o poeta como aquele que busca um mundo ideal, e o de Cassiano Ricardo coloca o poeta na mesma condição do homem comum.