TEXTO
LX
[...]
Rubião ouviu o grito, voltou-se, viu o que era. Era um carro que descia e uma criança de três ou quatro anos que atravessava a rua. Os cavalos vinham quase em cima dela, por mais que o cocheiro os sofreasse. Rubião atirou-se aos cavalos e arrancou o menino ao perigo. A mãe, quando o recebeu das mãos do Rubião, não podia falar; estava pálida, trêmula. Algumas pessoas puseram-se a altercar com o cocheiro, mas um homem calvo, que vinha dentro, ordenou-lhe que fosse andando. O cocheiro obedeceu. Assim, quando o pai, que estava no interior da colchoaria, veio fora, já o carro dobrava a esquina de São José.
— Ia quase morrendo, disse a mãe. Se não fosse este senhor, não sei o que seria do meu pobre filho.
Era uma novidade no quarteirão. Vizinhos entravam a ver o que sucedera ao pequeno; na rua, crianças e moleques espiavam pasmados. A criança tinha apenas um arranhão no ombro esquerdo, produzido pela queda.
— Não foi nada, disse Rubião; em todo caso, não deixem o menino sair à rua; é muito pequenino.
— Obrigado, acudiu o pai; mas onde está o seu chapéu?
Rubião advertiu então que perdera o chapéu. Um rapazinho esfarrapado, que o apanhara, estava à porta da colchoaria, aguardando a ocasião de restituí- -lo. Rubião deu-lhe uns cobres em recompensa, coisa em que o rapazinho não cuidara, ao ir apanhar o chapéu. Não o apanhou senão para ter uma parte na glória e nos serviços. Entretanto, aceitou os cobres, com prazer; foi talvez a primeira ideia que lhe deram da venalidade das ações.
— Mas, espere, tornou o colchoeiro, o senhor feriu-se?
Com efeito, a mão do nosso amigo tinha sangue, um ferimento na palma, coisa pequena; só agora comeaçava a senti-lo. A mãe do pequeno correu a buscar uma bacia e uma toalha, apesar de dizer o Rubião que não era nada, que não valia a pena. Veio a água; enquanto ele lavava a mão, o colchoeiro correu à farmácia próxima, e trouxe um pouco de arnica. Rubião curou-se, atou o lenço na mão; a mulher do colchoeiro escovou-lhe o chapéu; e, quando ele saiu, um e outro agradeceram-lhe muito o benefício da salvação do filho. A outra gente, que estava à porta e na calçada, fez-lhe alas.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 87.)
Dotado de excelência literária, o texto de Machado de Assis é também reconhecido pela crítica devido à construção de um estilo singular. No Texto 5, na sequência “Rubião atirou-se aos cavalos e arrancou o menino ao perigo”, a regência do verbo “arrancar” soa estranha ao leitor conhecedor da norma gramatical. A seguir, são apresentadas construções frasais em que é dado destaque para a regência verbal.
Assinale aquela que o seu sentido se assemelha, corretamente, ao modo machadiano de fazer regência:
Algumas pessoas já assistiram ao filme do Mercenário de Collant Vermelho?
O bombeiro já aspirava ao cargo a ele ofertado pelo oficial.
Dentre os candidatos que zeraram a redação, 217.339 fugiram ao tema.
O jogador obedeceu ao regulamento do jogo de futebol.