TEXTO IV
VOZES-MULHERES
[1] A voz de minha bisavó ecoou
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
[5] de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
[10] aos brancos donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
[15] rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
[20] e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
[25] engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
[30] o eco da vida- liberdade.
(EVARISTO, Conceição. “Poemas”. In: Cadernos negros – Poemas. São Paulo: Quilombhoje/ Edição dos autores, nº13, 1990, p.32-33.)
Sobre o texto “Vozes-Mulheres”, só NÃO se pode inferir que
à medida que as mulheres da família vão sendo apresentadas, o contexto vivido por elas vai sofrendo alterações históricas.
as estrofes revelam cinco gerações de mulheres que, literalmente, viveram a escravidão.
na “voz da filha”, vê-se o reflexo de vozes ancestrais.
o eu-lírico é uma voz ressentida com a violência que a escravidão representou.