Texto III
A hóspede importuna
O joão-de-barro já estava arrependido de acolher
em casa a fêmea que lhe pedira agasalho em
caráter de emergência. Ela se desentendera com o
companheiro e este a convidara a retirar-se. Não tendo
habilidades de construtor, recorreu à primeira casa
de joão-de-barro que encontrou, e o dono foi generoso,
abrigando-a.
Sucede que o joão-de-barro era misógino, e
construíra a habitação para seu uso exclusivo. A presença
insólita perturbava seus hábitos. Já não sentia
prazer em voar e descansar, e sabe-se como os
joões-de-barro são joviais. A fêmea insistia em estabelecer
com ele o dueto de gritos musicais, e parecia
inclinada a ir mais longe, para grande aborrecimento
do solitário.
Então ele decidiu pedir o auxílio de um colega
a fim de se ver livre da importuna. O amigo estava
justamente tomando as primeiras providências para
fazer casa. “Antes de prosseguir, você vai me fazer
um obséquio, disse-lhe. Vamos até lá em casa e veja seconquista uma intrusa que não quer sair de lá.”
O segundo joão-de-barro atendeu ao primeiro e,
no interior da casa deste, cativou as graças da ave.
Achou-se tão bem lá que não quis mais sair. Para que
iria dar-se ao trabalho de construir casa, se já dispunha
daquela, com amor a seu lado?
Assim quedaram os três, e o dono solteirão, sem
força para reagir, tornou-se serviçal do par, trazendo-lhe
alimentos e prestando pequenos serviços. Ainda bem
que construíra uma casa espaçosa — suspirava ele.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O Sorvete e outras histórias. São Paulo: Ática, 1993. p.31.
O techo do Texto III “cativou as graças da ave.” (L. 23) apresenta o seguinte sentido:
fingiu estar interessado nela.
ocultou sua real intenção.
mostrou-se perspicaz e ladino.
revelou seu lado interesseiro e oportunista.
atraiu-a, utilizando os seus encantos.