TEXTO II
UMA CARTA DE MACHADO DE ASSIS
Machado de Assis tinha 65 anos quando
Carolina, sua mulher, morreu em 1904; viveria ainda
quatro anos. Joaquim Nabuco, um de seus melhores
amigos, era dez anos mais moço, e correspondia-se
com Machado, desde a adolescência.
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904.
Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama. A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recorda-la. Irei vê-la, ela me esperará. Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe. Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
http://rosebud-rose-bud.blogspot.com/2007/02/uma-carta-demachado- de-assis.html, acessado em 04/05/2013.
Observe os trechos abaixo:
I. “Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.”
II. “Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro.”
III. “...então, lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que (...) chegou à hora dos melhores remédios.”
Quanto ao uso do acento grave nas orações acima, só NÃO é correto afirmar que
no trecho I, o acento ocorre em razão da fusão entre o artigo feminino a e a preposição a.
no trecho II, embora o verbo responder seja transitivo indireto, o acento não é obrigatório; o artigo feminino a, nesse caso, é facultativo.
no trecho III, o acento faz-se necessário para evitar ambiguidade.
no trecho II, se a expressão “a sua carta” fosse substituída por “as suas cartas”, obrigatoriamente, o acento ocorreria.