TEXTO II
Porém igualmente
É uma santa. Diziam os vizinhos. E D. Eulália
apanhando. É um anjo. Diziam os parentes. E D. Eulália
sangrando. Porém igualmente se surpreenderam na
noite em que, mais bêbado que de costume, o marido,
[05] depois de surrá-la, jogou-a pela janela, e D. Eulália
rompeu em asas o voo de sua trajetória.
(COLASANTI, Marina. Um espinho de marfim e outras histórias. Porto Alegre: L & PM, 1999.)
TEXTO III
Mulheres de Atenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se
Arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas; cadenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e Força de Atenas
(...)
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito, nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm
Presságios
O seu homem, mares,
Naufrágios
Lindas sirenas, morenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se
Encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas, serenas
(HOLANDA, Chico Buarque de. Meus caros amigos. LP, 1976. Phonogram/Philips)
TEXTO IV
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe
de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti
falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de
esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom
[05] ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem
de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez
coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha
de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da
[10] escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o
canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah,
Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite
eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença,
última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
[15] Sentia falta da pequena briga pelo sal no
tomate – meu jeito de querer bem. Acaso é saudade,
Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei
água e elas murcham. Não tenho botão na camisa.
Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha?
[20] Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com
os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa,
Senhora, por favor.
(TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. 5ª ed. Record. Rio de Janeiro, 1996.)
TEXTO IV
Assinale a alternativa que analisa de modo INCORRETO a relação entre sentido e construção linguística dos textos desta prova.
As estruturas linguísticas de oposição, de antíteses, são fundamentais na construção do sentido do texto II, o que se expressa já no título, com o emprego da conjunção “porém”.
O texto III emprega marcas de linguagem coloquial – como “Se banham”, “pros” – com o objetivo de direcionar o conteúdo a grupos de mulheres menos escolarizadas, que, em geral, são a maior parte das vítimas de violência.
O texto IV emprega a metonímia como um importante recurso de linguagem para a construção de sentido. Com essa figura, ao longo de toda a narrativa, a ausência da mulher é expressa pela referência aos espaços e objetos da casa relacionados a ela.
O emprego dos pontos de exclamação no texto VI contribui para que o conteúdo se apresente de forma enfática ao leitor, visando a que esse tome uma atitude e não se mantenha passivo diante de casos de violência contra a mulher.