TEXTO I
QUERO VOLTAR A CONFIAR
Fui criado com princípios morais comuns. Quando
eu era pequeno, mães, pais, professores, avós, tios,
vizinhos eram autoridades dignas de respeito e
consideração. Quanto mais próximos ou mais velhos,
mais afeto. Inimaginável responder de forma mal
educada aos mais velhos, professores ou autoridades...
Confiávamos nos adultos, porque todos eram pais,
mães ou familiares da nossa rua, do bairro ou da
cidade. Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos,
dos filmes de terror...
Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo
que perdemos. Tudo que os meus netos um dia
enfrentarão. Pelo medo no olhar das crianças, dos
velhos, dos jovens e dos adultos. Direitos humanos para
os criminosos, deveres ilimitados para os cidadãos
honestos. Não levar vantagem em tudo significa ser
idiota. Trabalhador digno e cumpridor dos deveres virou
otário. Pagar dívidas em dia é ser tonto - anistia para
corruptos e sonegadores.
O que aconteceu conosco? Professores
maltratados nas salas de aula; comerciantes
ameaçados por traficantes; grades em nossas janelas e
portas. Que valores são esses? Automóveis que valem
mais que abraços. Filhas querendo uma cirurgia como
presente por passarem de ano. Filhos esquecendo o
respeito no trato com pais e avós. No lugar de senhor,
senhora, ficou “oi cara”, ou “como está, coroa”?
Celulares nas mochilas de crianças. “O que vais querer
em troca de um abraço?” – “A diversão vale mais que
um diploma.” – “Uma tela gigante vale mais que uma
boa conversa.” – “Mais vale uma maquiagem do que um
sorvete.” - “Aparecer do que ser.” Quando foi que tudo
desapareceu ou se tornou ridículo?
Quero arrancar as grades da minha janela para
poder tocar nas flores^ Quero me sentar na varanda e
dormir com a porta aberta nas noites de verão. Quero a
honestidade como motivo de orgulho. Quero a retidão
de caráter, a cara limpa e o olhar “olho no olho”. Quero
sair de casa sabendo a hora em que estarei de volta,
sem medo de assaltos ou balas perdidas. Quero a
vergonha na cara e a solidariedade. Onde a palavra
valia mais que um documento assinado. Quero a
esperança, a alegria, a confiança de volta. Quero calar a
boca de quem diz: “temos que estar ao nível de” ao falar
de uma pessoa.
E viva o retorno da verdadeira vida, simples como a
chuva, limpa como o céu de primavera, leve como a
brisa da manhã. E definitivamente bela como cada
amanhecer.
Quero ter de volta o meu mundo simples e comum,
onde existam o amor, a solidariedade e a fraternidade
como bases. Vamos voltar a ser gente. A ter indignação
diante da falta de ética, de moral, de respeito. Construir
um mundo melhor, mais justo e mais humano, onde as
pessoas respeitem as pessoas.
Utopia?
Quem sabe.
Precisamos tentar.
Arnaldo Jabor
http://www.pensador.uol.com.br/textos_de_arnaldo_jabor/2/ Data de acesso: 30/04/2011
A partir da leitura do texto, pode-se inferir que
os princípios morais comuns ficaram restritos ao passado; hoje, os poucos que restam são complexos e não respeitados
O modo de vida atual exige que as pessoas estejam mais atentas aos direitos do outro, o que torna as relações mais informais.
Há um tom de saudosismo, mas ao mesmo tempo de convite à mudança de comportamento das pessoas ao longo do texto.
A vida simples, comum, pautada em valores básicos como a justiça e a fraternidade, é um desejo irrealizável.