AFA 2016

 TEXTO I

 

Quarto de Despejo

 

“O grito da favela que tocou a consciência do mundo inteiro”

 

2 de MAIO de 1958. Eu não sou indolente. Há tempos

que eu pretendia fazer o meu diario. Mas eu pensava

que não tinha valor e achei que era perder tempo.

...Eu fiz uma reforma para mim. Quero tratar as pessoas

[5]  que eu conheço com mais atenção. Quero enviar sorriso

amavel as crianças e aos operarios.

...Recebi intimação para comparecer as 8 horas da noite

na Delegacia do 12. Passei o dia catando papel. A noite

os meus pés doiam tanto que eu não podia andar.

[10]  Começou chover. Eu ia na Delegacia, ia levar o José

Carlos. A intimação era para ele. O José Carlos tem 9

anos.

 

3 de MAIO. ...Fui na feira da Rua Carlos de Campos,

[15]  catar qualquer coisa. Ganhei bastante verdura. Mas

ficou sem efeito, porque eu não tenho gordura. Os

meninos estão nervosos por não ter o que comer.

 

6 de MAIO. De manhã não fui buscar agua. Mandei o

[20]  João carregar. Eu estava contente. Recebi outra

 intimação. Eu estava inspirada e os versos eram bonitos

e eu esqueci de ir na Delegacia. Era 11 horas quando eu

recordei do convite do ilustre tenente da 12ª Delegacia.

...o que eu aviso aos pretendentes a política, é que o

[25]  povo não tolera a fome. É preciso conhecer a fome para

saber descrevê-la.

Estão construindo um circo aqui na Rua Araguaia, Circo

Theatro Nilo.

 

9 de MAIO. Eu cato papel, mas não gosto. Então eu

[30]  penso: Faz de conta que estou sonhando.

 

 10 de MAIO. Fui na Delegacia e falei com o Tenente.

Que homem amavel! Se eu soubesse que ele era tão

[35]  amavel, eu teria ido na Delegacia na primeira intimação.

(...) O Tenente interessou-se pela educação dos meus

filhos. Disse-me que a favela é um ambiente propenso,

que as pessoas tem mais possibilidades de delinquir do

que tornar-se util a patria e ao país. Pensei: se ele sabe

[40]  disso, porque não faz um relatorio e envia para os

politicos? O Senhor Janio Quadros, o Kubstchek, e o Dr

Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma

 pobre lixeira. Não posso resolver nem as minhas

dificuldades.(...) O Brasil precisa ser dirigido por uma

[45]  pessoa que já passou fome. A fome tambem é

professora. Quem passa fome aprende a pensar no

proximo e nas crianças.

 

 11 de MAIO. Dia das mães. O céu está azul e branco.

[50]  Parece que até a natureza quer homenagear as mães

que atualmente se sentem infeliz por não realizar os

desejos de seus filhos. (...) O sol vai galgando. Hoje não

vai chover. Hoje é o nosso dia. (...) A D. Teresinha veio

  visitar-me. Ela deu-me 15 cruzeiros. Disse-me que era

[55]  para a Vera ir no circo. Mas eu vou deixar o dinheiro

para comprar pão amanhã, porque eu só tenho 4

cruzeiros.(...) Ontem eu ganhei metade da cabeça de um

porco no frigorifico. Comemos a carne e guardei os

ossos para ferver. E com o caldo fiz as batatas. Os meus

[60]  filhos estão sempre com fome. Quando eles passam

muita fome eles não são exigentes no paladar. (...)

Surgiu a noite. As estrelas estão ocultas. O barraco está

cheio de pernilongos. Eu vou acender uma folha de

jornal e passar pelas paredes. É assim que os favelados

[65]  matam mosquitos.

 

13 de MAIO. Hoje amanheceu chovendo. É um dia

simpatico para mim. É o dia da Abolição. Dia que

comemoramos a libertação dos escravos. Nas prisões

[70]  os negros eram os bodes expiatorios. Mas os brancos

agora são mais cultos. E não nos trata com desprezo.

Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam

feliz. (...) Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal.

A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os meninos

[75]  para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva

para mim ir lá no Senhor Manuel vender os ferros. Com

o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguiça. A

chuva passou um pouco. Vou sair. (...) Eu tenho dó dos

meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles

[80]  brada: Viva a mamãe!. A manifestação agrada-me. Mas

eu já perdi o habito de sorrir. Dez minutos depois eles

querem mais comida. Eu mandei o João pedir um

pouquinho de gordura a Dona Ida. Mandei-lhe um bilhete

assim:

[85]  “Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouquinho de

gordura, para eu fazer sopa para os meninos. Hoje

choveu e não pude catar papel. Agradeço. Carolina”

(...) Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no

inverno a gente come mais. A Vera começou a pedir

[90]  comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetaculo. Eu

estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco

de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de

banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9

horas da noite quando comemos.

[95]  E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a

escravatura atual – a fome!

 

(DE JESUS, Carolina Maria. Quarto de Despejo.)

O título do livro “Quarto de Despejo” pode sugerir algumas inferências. Assinale aquela que NÃO pode ser comprovada pelo relato.

a

O ambiente onde escreve Carolina assemelha-se a um quarto de despejo.

b

Tal qual os objetos que Carolina recolhe nas ruas, ela e seus filhos são restos ignorados pelo poder público.

c

Os relatos da vida da autora são comparados aos pertences deixados em um quarto de despejo.

d

Há uma alusão ao local onde vivem as pessoas que trabalham com serviços domésticos em casas de luxo.

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D
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