TEXTO I
O silêncio incomoda
Como trabalho em casa, assisto a um grande
número de jogos e programas esportivos, alguns porque
gosto e outros para me manter atualizado, vejo ainda
muitos noticiários gerais, filmes, programas culturais
[5] (são pouquíssimos) e também, por curiosidade, muitas
coisas ruins. Estou viciado em televisão.
Não suporto mais ver tantas tragédias, crimes,
violências, falcatruas e tantas politicagens para a
realização da Copa de 2014.
[10] Estou sem paciência para assistir a tantas
partidas tumultuadas no Brasil, consequência do estilo
de jogar, da tolerância com a violência e do ambiente
bélico em que se transformou o futebol, dentro e fora do
campo.
[15] Na transmissão das partidas, fala-se e grita-se
demais. Não há um único instante de silêncio, nenhuma
pausa. O barulho é cada dia maior no futebol, nas ruas,
nos bares, nos restaurantes e em quase todos os
ambientes. O silêncio incomoda as pessoas.
[20] É óbvio que informações e estatísticas são
importantíssimas. Mas exageram. Fala-se muito, mesmo
com a bola rolando. Impressiona-me como se formam
conceitos, dão opiniões, baseados em estatísticas que
têm pouca ou nenhuma importância.
[25] Na partida entre Escócia e Brasil, um repórter da
TV Globo deu a “grande notícia”, que Neymar foi o
primeiro jogador brasileiro a marcar dois gols contra a
Escócia em uma mesma partida.
Parece haver uma disputa para saber quem dá
[30] mais informações e estatísticas, e outra, entre os
narradores, para saber quem grita gol mais alto e
prolongado. Se dizem que a imagem vale mais que mil
palavras, por que se fala e se grita tanto?
Outra discussão chata, durante e após as
[35] partidas, é se um jogador teve a intenção de colocar a
mão na bola e de fazer pênalti, e se outro teve a
intenção de atingir o adversário. Com raríssimas
exceções, ninguém é louco para fazer pênalti nem tão
canalha para querer quebrar o outro jogador.
[40] O que ocorre, com frequência, é o jogador, no
impulso, sem pensar, soltar o braço na cara do outro. O
impulso está à frente da consciência. Não sou também
tão ingênuo para achar que todas as faltas violentas são
involuntárias.
[45] Não dá para o árbitro saber se a falta foi
intencional ou não. Ele precisa julgar o fato, e não a
intenção. Eles precisam ter também bom senso, o que é
raro no ser humano, para saber a gravidade das faltas.
Muitas parecem iguais, mas não são. Ter critério não é
[50] unificar as diferenças.
(Tostão, Folha de S.Paulo, caderno D, “esporte”, p. 11, 10/04/2011.)
TEXTO II
O ídolo
Em um belo dia, a deusa dos ventos beija o pé do
homem, o maltratado, desprezado pé, e, desse beijo,
nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e
barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola.
[5] Desde que aprende a andar, sabe jogar. Quando
criança, alegra os descampados e os baldios, joga e
joga e joga nos ermos dos subúrbios até que a noite cai
e ninguém mais consegue ver a bola, e, quando jovem,
voa e faz voar nos estádios. Suas artes de malabarista
[10] convocam multidões, domingo após domingo, de vitória
em vitória, de ovação em ovação.
A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No
peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá
brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois,
[15] milhões de mudos conversam. Os Zé Ninguém, os
condenados a serem para sempre ninguém, podem
sentir-se alguém por um momento, por obra e graça
desses passes devolvidos num toque, essas fintas que
desenham os zês na grama, esses golaços de
[20] calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga o time tem
doze jogadores.
– Doze? Tem quinze! Vinte!
A bola ri, radiante, no ar. Ele a amortece, a
adormece, diz galanteios, dança com ela, e vendo
[25] essas coisas nunca vistas, seus adoradores sentem
piedade por seus netos ainda não nascidos, que não
estão vendo o que acontece.
Mas o ídolo é ídolo apenas por um momento,
humana eternidade, coisa de nada; e quando chega a
[30] hora do azar para o pé de ouro, a estrela conclui sua
viagem do resplendor à escuridão. Esse corpo está
com mais remendos que roupa de palhaço, o acrobata
virou paralítico, o artista é uma besta:
– Com a ferradura, não!
[35] A fonte da felicidade pública se transforma no pára-
raios do rancor público:
– Múmia!
Às vezes, o ídolo não cai inteiro. E, às vezes,
quando se quebra, a multidão o devora aos pedaços.
(Eduardo Galeano. Futebol, ao sol e à sol e à sombra.)
Sobre os textos I e/ou II, pode-se afirmar que
a função poética está presente no texto II, através do uso de linguagem figurada.
tanto o texto I quanto o texto II apresentam função emotiva
no texto I, a intenção do autor é persuadir o leitor a mudar seu comportamento, fazendo uso, dessa forma, da função apelativa.
o fato de Tostão ser um ex-jogador de futebol e estar falando sobre esse esporte - texto I - caracteriza uma metalinguagem.