Texto I
Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
[5] começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
[10] começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.
“O cão sem plumas”, João Cabral de Melo Neto
Texto II
O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado
sertão é por os campos gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de
rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e
do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior. [...]
[5] Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é
questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.
Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa
Considerando o texto II, no contexto da obra do escritor, assinale a alternativa correta.
O diálogo entre o autor e o leitor – O senhor tolere, o senhor sabe ... (linhas 01 e 05) – é traço estilístico de Guimarães Rosa, caracterizado essencialmente pela oralidade e espontaneidade da fala sertaneja.
Expressões como Toleima (linha 03) e opiniães (linha 06), entre outras, dão um tom humorístico ao discurso e reforçam a crítica do autor à ingenuidade e cultura não-letrada do sertanejo.
Na fala do narrador-personagem problematizam-se os limites de uma determinada região geográfica do Brasil – o sertão –, formalizando-se, assim, o tema da relatividade dos juízos.
O fragmento exemplifica o regionalismo de Guimarães Rosa, desenvolvido a partir de um enfoque naturalista, em que se ressalta a cor local – fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia (linhas 02 e 03).
O foco centrado na conversa de dois interlocutores de culturas diferentes – o sertanejo e o senhor – é índice da temática neorrealista que caracteriza o escritor, qual seja, o contraste entre cidade e campo.