TEXTO I
MULHER BOAZINHA
(Martha Medeiros)
Qual o elogio que uma mulher adora receber?
Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui
uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus
atributos, sejam eles físicos ou morais.
[5] Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com
a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é
uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da
[10] sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de
como ela tem classe: ela achará você muito observador
e lhe dará uma cópia da chave de casa.
Mas não pense que o jogo está ganho: manter o
cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar
[15] novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela
tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela
é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de
[20] oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora quer ver o mundo cair?
Diga que ela é muito boazinha.
Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
[25] Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja,
cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista
negando um favor.
Nunca teve um chilique.
[30] Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
Enfim, uma mulher boazinha.
[35] Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada,
ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de
panelinhas e nenezinhos.
[40] A vida feminina era esse frege: bordados, paredes
brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas,
enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de
virar a mesa.
[45] Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as
coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil:
somos atrizes, estrelas, profissionais.
[50] Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da
geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
[55] Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
[60] PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das
intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras,
persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje.
[65] Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.
(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTc1ODIy/ acesso em 28/03/14)
Observe as inferências feitas a partir da leitura global do texto e assinale a alternativa que contém uma afirmação INCORRETA.
“Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe” (l.16) é um argumento forte de valorização de uma mulher, já que há uma crença de que os homens consideram suas mães sempre as melhores cozinheiras de suas vidas.
Depois que o homem ganha uma mulher através dos elogios certos, nas horas certas e que se referem aos atributos mais valorizados por ela, a conquista está garantida e o relacionamento está destinado ao sucesso.
As mulheres hoje querem receber os elogios que as tratem como bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, velozes, produtivas e enigmáticas.
Ao dizer que “as ‘inhas’ não moram mais aqui” e que “foram para o espaço, sozinhas”, o locutor afirma que as mulheres boazinhas perderam seu lugar social e ainda por cima ficaram sozinhas.