Texto I
Limites da manipulação genética
Nos últimos anos, a possibilidade de manipu-
lação genética de seres humanos se tornou tecni-
camente real, o que levou à publicação de vários
manifestos da comunidade científica internacional
[5] contra o uso da técnica em embriões, óvulos e es-
permatozoides humanos. Não aceitamos alterações
genéticas que possam ser transmitidas às próximas
gerações. Apesar disso, cientistas chineses publica-
ram um trabalho descrevendo a criação de embriões
[10] humanos geneticamente modificados! Abrimos a
Caixa de Pandora?
Ainda não. Os pesquisadores chineses só testa-
ram o quão segura a técnica é de fato em embriões
humanos — afinal, se um dia pudéssemos, por exem-
[15] plo, corrigir a mutação no gene do câncer de mama,
interromperíamos a herança genética familiar e os fi-
lhos não correriam o risco de herdar a doença.
Se temos algo a ganhar com a técnica, não vale
a pena testá-la? Sim, mas existe uma linha muito tê-
[20] nue entre ousadia e irresponsabilidade, e o desen-
volvimento científico não pode cruzá-la. Assim, para
ficar do lado de cá dessa fronteira, foram usados
embriões defeituosos de fertilização in vitro. Neles fo-
ram injetadas pequenas moléculas construídas para
[25] consertar um gene que, quando “mutado”, causa uma
forma grave de anemia. Dos 54 embriões analisados,
somente quatro tinham o gene corrigido... Além disso,
eles também tinham alterações genéticas em outros
locais não planejados do genoma — ou seja, a tal
[30] molécula muitas vezes erra o seu alvo...
Em resumo, o trabalho demonstrou que a técnica
de edição de genoma é ineficiente e insegura para se
utilizar em embriões humanos — exatamente o que
a comunidade científica previa e questionava, com o
[35] objetivo de que esse procedimento não fosse feito em
embriões humanos.
O que não significa que as pesquisas nesse sen-
tido devam ser interrompidas. Se tivéssemos proibi-
do as pesquisas em transplante cardíaco em 1968,
[40] quando 80% dos pacientes transplantados morriam,
nunca teríamos tornado esse procedimento uma re-
alidade que hoje em dia salva muitas vidas. Cien-
tistas seguirão aprimorando a técnica para torná-la
mais eficiente e segura. Porém, essas pesquisas de-
[45] vem ser conduzidas de forma absolutamente ética
— aliás, todas as pesquisas devem ser conduzidas
assim; mas, quando envolvem embriões humanos,
mais ainda.
E enquanto nós, cientistas, resolvemos os as-
[50] pectos técnicos, conclamamos legistas, psicólogos,
sociólogos e a população em geral para discutir as
vantagens e os riscos de usar a tecnologia de edição
do genoma em seres humanos. Para pesquisar ou
para evitar doenças como câncer e Alzheimer? Sim.
[55] E para que o bebê nasça com olhos azuis, mais inte-
ligente, mais alto? Não. Em que situações permitire-
mos sua aplicação?
Um cenário que, há 15 anos, era ficção científica
agora é tão real que devemos discuti-lo urgentemen-
[60] te. No Brasil, já estamos precavidos: a Lei de Bios-
segurança de 2005 proíbe “engenharia genética em
célula germinal humana, zigoto humano e embrião
humano”. Talvez um dia tenhamos que rever o texto
para considerar casos específicos em que essa en-
[65] genharia genética possa ser feita. Mas, por enquanto,
estamos protegidos — que orgulho!
PEREIRA, L. O Globo. Opinião. 12 maio 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2017. Adaptado.
A frase que resume a tese defendida no Texto I é
As pesquisas para aprimorar a manipulação genética devem ser conduzidas de forma absolutamente ética, de modo a tornar a técnica mais eficiente e segura.
As iniciativas em tecnologia de manipulação genética devem ser caracterizadas pela ousadia porque são muitas as barreiras que se apresentam aos cientistas.
A Lei de Biossegurança brasileira já deve ser revista para incorporar situações em que a engenharia genética possa ser utilizada sem riscos aos pacientes.
A possibilidade de impedir doenças relacionadas à transmissão genética justifica eticamente os procedimentos de manipulação de embriões humanos.
A tecnologia de edição do genoma em seres humanos já deveria ter sido permitida para programar traços físicos e psicológicos de crianças.