Texto I
A garagem de casa
[1] Com o portão enguiçado, e num
convite a ladrões de livros, a garagem de casa
lembra uma biblioteca pública
permanentemente aberta para a rua. Mas não
[5] são adeptos de literatura os indivíduos que ali
se abrigam da chuva ou do sol a pino de
verão. Esses desocupados matam o tempo
jogando porrinha, ou lendo os jornais velhos
que mamãe amontoa num canto, sentados
[10] nos degraus do escadote com que ela alcança
as prateleiras altas. Já quando fazem o
obséquio de me liberar o espaço, de tempos
em tempos entro para olhar as estantes onde
há de tudo um pouco, em boa parte remessas
[15] de editores estrangeiros que têm apreço pelo
meu pai. Num reduto de literatura tão sortida,
como bem sabem os habitués de sebos,
fascina a perspectiva de por puro acaso dar
com um livro bom. Ou by serendipity, como
[20] dizem os ingleses quando na caça a um
tesouro se tem a felicidade de deparar com
outro bem, mais precioso ainda. Hoje revejo
na mesma prateleira velhos conhecidos,
algumas dezenas de livros turcos, ou búlgaros
[25] ou húngaros, que papai é capaz de um dia
querer destrinchar. Também continua em
evidência o livro do poeta romeno Eminescu,
que papai ao menos tentou ler, como é fácil
inferir das folhas cortadas a espátula. Há uma
[30] edição em alfabeto árabe das Mil e Uma
Noites que ele não leu, mas cujas ilustrações
admirou longamente, como denunciam os
filetes de cinzas na junção das suas páginas
coloridas. Hoje tenho experiência para saber
[35] quantas vezes meu pai leu um mesmo livro,
posso quase medir quantos minutos ele se
deteve em cada página. E não costumo perder
tempo com livros que ele nem sequer abriu,
entre os quais uns poucos eleitos que mamãe
[40] teve o capricho de empilhar numa ponta de
prateleira, confiando numa futura redenção.
Muitas vezes a vi de manhãzinha
compadecida dos livros estatelados no
escritório, com especial carinho pelos que
[45] trazem a foto do autor na capa e que papai
despreza: parece disco de cantor de rádio.
(Chico Buarque. O irmão alemão. 1 ed. São Paulo. Companhia das letras. 2014. p. 60-61. Texto adaptado com o acréscimo do título.)
A obra O irmão alemão, último livro de Chico Buarque de Holanda, tem como móvel da narrativa a existência de um desconhecido irmão alemão, fruto de uma aventura amorosa que o pai dele, Sérgio Buarque de Holanda, tivera com uma alemã, lá pelo final da década de 30 do século passado. Exatamente quando Hitler ascende ao poder na Alemanha. Esse fato é real: o jornalista, historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, na época, solteiro, deixou esse filho na Alemanha. Na família, no entanto, não se falava no assunto. Chico teve, por acaso, conhecimento dessa aventura do pai em uma reunião na casa de Manuel Bandeira, por comentário feito pelo próprio Bandeira.
Foi em torno da pretensa busca desse pretenso irmão que Chico Buarque desenvolveu sua narrativa ficcional, o seu romance.
Sobre a obra, diz Fernando de Barros e Silva: “o que o leitor tem em mãos [...] não é um relato histórico. Realidade e ficção estão aqui entranhadas numa narrativa que embaralha sem cessar memória biográfica e ficção”.
O verbo matar (linha 7) tem variadas acepções além daquela que foi empregada no texto. Na coluna I, estão enunciados construídos com o verbo matar em algumas de suas significações. Na coluna II, estão essas significações. Relacione as duas colunas numerando a segunda de acordo com a primeira.
Coluna I
1. “Esses desocupados matam o tempo jogando porrinha” (linhas 7-8 do texto)
2. Ele foi preso porque matou o ladrão que lhe invadiu a casa.
3. Ela me trouxe cinco charadas, que matei em um piscar de olhos.
4. A desnutrição causada pela fome mata milhões de pessoas na África.
5. Os desmandos das autoridades podem matar as pequenas empresas.
6. A má tradução mata livros que, em sua versão original, são verdadeiras obras primas.
7. A palavra mata mais que o ato.
8. A traição mata o amor mais rápido do que um tiro certeiro.
9. A exagerada disciplina do Exército o matava.
10. Ela só matava a fome lá em casa.
11. Os tios se mataram para ver o rapaz formado.
12. O craque matou a bola no peito e, em seguida, fez belíssimo gol.
Coluna II
( ) Levar à exaustão, ao esgotamento.
( ) Fazer algo sem apuro ou cuidado.
( ) Saciar-se.
( ) Causar grande prejuízo; arruinar.
( ) Resolver, adivinhar, decifrar.
( ) Deixar o tempo passar.
( ) Sacrificar-se, fazer tudo por alguém.
( ) Tirar a vida de alguém, assassinar.
( ) Contribuir para que algo ou alguém morra; levar à morte.
( ) Causar sofrimento a; mortificar, afligir, ferir.
( ) No futebol, amortecer o impacto da bola a fim de dominá-la.
( ) Fazer desaparecer, extinguir.
Está correta, de cima para baixo, a sequência seguinte:
9, 10, 6, 1, 11, 2, 4, 7, 8, 5, 3, 12.
9, 3, 6, 11, 10, 1, 4, 7, 12, 2, 5, 8.
9, 3, 5, 7, 12, 10, 8, 2, 11, 1, 4, 6.
9, 6, 10, 5, 3, 1, 11, 2, 4, 7, 12, 8.