Texto
Hermano não falava nunca de sua casa. Alegava não compreender muito bem porque o homem devia ter um lar. O homem, diziam-lhe sempre, era o ser livre. Nem Deus o quis privar da liberdade. E Deus era o manda-chuva do mundo. E seu criador. Um dia, entediado, ele começou a brincar com barro, na sua olaria. Nos quintais do céu, Jeová havia mandado construir uma, para fabricar telhas e com elas consertar goteiras no purgatório. Brincando, suas mãos infinitamente idosas fizeram uma travessura digna de boa surra. Criaram o Homem! Um boneco de barro, metido a muita cousa. Mas Jeová se arrependeu da brincadeira. Vendo o que faria o boneco, saído de si em momento de tédio, atirou-o num monte enorme de barro. E lá o deixou. Livre.
Deus não fez como seu Manoel açougueiro que criou a Regina e o Chiquinho – um casal de bonecos pretos – e nunca mais os largou.
Hermano achava que o tal homem seria verdadeiramente livre se não tivesse todos os dias que ir a casa para almoçar. Para tomar banho. Para dormir. E mexer numa tulha cheia de problemas mesquinhos. Falta de feijão; educação, futuro, contas do padeiro, baratas e trabalho. Dogmas, normas, inibições. Para ele, o homem não era livre. Livre, sim, era o burro. Um burro come onde encontra capim. Não tem que voltar, tarde da noite, para uma cama no quarto de uma casa, numa rua de cidade. Quanta limitação! Qual, o homem não era livre.
[...]
(LEÃO, Ursulino. Maya. 2. ed. Goiânia: Kelps, 1975, p. 13. Adaptado.)
Maya, de Ursulino Leão, é um romance moderno nas ideias que vestem as personagens, focalizando os problemas relacionados à busca por um mundo que muitos acham irrealizável. Romance moderno também no estilo vivo, construído com frases curtas que fornecem menos expressões que sugestões, uma vez que todos os elementos – ação, personagens, espaço – relacionam-se diretamente com as inquietações e aspirações do herói e influenciam na linha condutora principal do romance: a busca que faz o protagonista. A interioridade do herói é o ápice no romance, pois é ela que vai ser influenciada pelas ações que o cercam.
A respeito do fragmento selecionado do romance Maya (Texto), avalie as afirmativas a seguir:
I-pode-se observar, no fragmento escolhido, a relação do protagonista com o mundo e sua constante busca pela libertação do homem.
II-Hermano é um homem alheio à sociedade e descrente no futuro.
III-Hermano ignora as leis do Estado e os ritos da Igreja.
IV-Hermano defende que a religiosidade de algum modo é o encontro do homem com outras realidades: o sagrado, o mistério e a liberdade.
Em relação às proposições analisadas, assinale a única alternativa cujos itens estão todos corretos:
I e II.
I e III.
I e III.
II e IV.