TEXTO
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
[5] Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
[10] Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
[15] sua raiz vai ao meu avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
PRADO, Adélia Prado. Com Licença Poética. In: PRADO, Adélia. Adélia Prado: Poesia reunida. 6. ed. São Paulo: Siciliano, 1996. p. 11.
Quanto aos trechos destacados nos versos: “carregar bandeira” (linha 03)/ “sua raiz vai ao meu avô” (linha 16) e “Minha tristeza não tem pedigree” (linha 14), é correto afirmar que são exemplos da figura de linguagem denominada
hipérbole, porque configuram exagero propositado para definir algo de forma dramática para ampliar a expressividade do texto.
metáfora, porque neles há transposição do sentido de um campo de ideias para outro campo em que significados são acrescidos aos originários.
sinestesia, porque exploram as sensações relacionadas aos órgãos dos sentidos, concretizando de forma simultânea sensações diversas.
eufemismo, porque a autora os utiliza para dar um tom mais leve às expressões pesadas, negativas ou depreciativas.