TEXTO:
Bicho-Papão Moderno
O terrível bicho-papão, a mula-sem-cabeça, as assombrações e outros personagens fictícios que tiraram o sono das crianças por várias gerações perderam seu status. Criança moderna se apavora mesmo é com ladrão, tiroteio e sequestro. Sintonizadas com as notícias sobre violência cotidiana, garotas e garotos das grandes cidades se impressionam com o arrastão do Rio de Janeiro (grupos que, em bandos, assaltam as praias), têm medo dos meninos que fugiram da Febem em São Paulo e tremem ao pensar em rituais satânicos, como o que matou o menino Evandro, em Guaratuba, no Paraná, em abril de 1992.
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Sempre em contato muito próximo com a realidade desenhada pelas notícias de televisão ou pelas informações violentas colhidas no cotidiano, as crianças expressam seu bicho-papãpo de diversas formas. “O medo é a principal doença infantil hoje”, afirma José Henrique Goulart da Graça, pediatra do Hospital Miguel Couto, que está concluindo uma pesquisa sobre violência urbana. “Muitas crianças exteriorizam seu medo através de doenças psicológicas, como dor de cabeça, diarreia e gastrite”, diz o médico.
DISMENNSTEIN, Gilberto.Cidadão de Papel. São Paulo, Atica, 1996. p. 28-29.
Segundo o autor, uma consequência do medo como um sentimento frequente e banalizado no cotidiano infantil dá-se porque
a criança se aprisiona a seus receios, não conseguindo desenvolver-se plenamente como ser humano e como cidadão.
há um retrocesso no processo educacional, pois frequentemente as crianças, interiorizadas pelo sofrimento, não interagem como os outros.
a somatização passa a ser um fenômeno comum na psicologia da criança, deixando-a exposta a doenças.
o adoecimento infantil acontece devido às agressões sofridas ao longo das primeiras fases da vida.
gera o receio de a criança frequentar lugares públicos onde ocorrem multidões.