TEXTO
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe
de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti
falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de
esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom
[05] ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem
de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez
coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha
de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da
[10] escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o
canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah,
Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite
eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença,
última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
[15] Sentia falta da pequena briga pelo sal no
tomate – meu jeito de querer bem. Acaso é saudade,
Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei
água e elas murcham. Não tenho botão na camisa.
Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha?
[20] Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com
os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa,
Senhora, por favor.
(TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. 5ª ed. Record. Rio de Janeiro, 1996.)
As escolhas das palavras e expressões são estratégias importantes na construção semântica do texto, principalmente em se tratando de um texto literário em que os vocábulos são, minuciosamente, selecionados.
A partir disso, assinale a alternativa que apresenta informação INCORRETA quanto ao texto de Dalton Trevisan.
A construção do período “não lhes poupei água e elas murcham”, (l. 17 e 18), demonstra, por meio de uma catacrese, uma das consequências da ausência da mulher.
O uso reiterado de sujeito elíptico para marcar as ações do narrador sugere um sentimento de pequenez e de sofrimento do homem em relação à sua amada.
O emprego da expressão “última luz na varanda” (l. 14) estabelece também um sentido metafórico, ao expressar o estado de espírito do narrador sem a presença da Senhora.
A presença frequente do vocativo reforça o propósito principal do texto, explicitando, assim, o discurso persuasivo construído pelo narrador.