TEXTO
A velha contrabandista
Stanislaw Ponte Preta
Diz que era uma velhinha que sabia andar
de lambreta. Todo dia ela passava pela
fronteira montada na lambreta, com um
[235] bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da
Alfândega – tudo malandro velho –
começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com
o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou
[240] ela parar. A velhinha parou e então o fiscal
perguntou assim pra ela:
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa
por aqui todo dia, com esse saco aí atrás.
Que diabo a senhora leva nesse saco?
[245] A velhinha sorriu com os poucos dentes que
lhe restavam e mais os outros, que ela
adquirira no odontólogo e respondeu:
- É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não
[250] era areia nenhuma e mandou a velhinha
saltar da lambreta para examinar o saco. A
velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e
dentro só tinha areia. Muito encabulado,
ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela
[255] montou na lambreta e foi embora, com o
saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez
a velhinha passasse um dia com areia e no
outro com muamba, dentro daquele maldito
[260] saco. No dia seguinte, quando ela passou
na lambreta com o saco atrás, o fiscal
mandou outra vez. Perguntou o que é que
ela levava no saco e ela respondeu que era
areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo.
[265] Durante um mês seguido o fiscal
interceptou a velhinha e, todas as vezes, o
que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de
[270] alfândega com 40 anos de serviço. Manjo
essa coisa de contrabando pra burro.
Ninguém me tira da cabeça que a senhora é
contrabandista.
- Mas no saco só tem areia! – insistiu a
[275] velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o
fiscal propôs:
- Eu prometo à senhora que deixo a
senhora passar. Não dou parte, não
apreendo, não conto nada a ninguém, mas
[280] a senhora vai me dizer: qual é o
contrabando que a senhora está passando
por aqui todos os dias?
- O senhor promete que não “espaia”? –
quis saber a velhinha.
[285] - Juro – respondeu o fiscal.
- É lambreta.
PRETA, Stanislaw Ponte. Primo Altamirando e elas. São Paulo: Agir, Martins Fontes, 2008.
A expressão “uai!” (linha 264) e o termo “espaia” (linha 283), extraídos da fala da velhinha, revelam uma variedade linguística do português brasileiro específica de um grupo social que pode ser identificado em
falantes de dialeto caipira vindos de regiões interioranas do país para habitarem na cidade grande.
falantes do sexo feminino com idade avançada que moram em metrópole.
falantes estrangeiros que não dominam certas expressões e determinados sons da língua portuguesa.
falantes escolarizados do sexo feminino que moram no interior do nosso país.