TEXTO
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
[5] Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações
[e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
[10] fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas
[sem ênfase.
[...]
[15] Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do
[tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
[20] garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
[25] Sento-me no chão da capital do país às cinco horas
[da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças
[avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar,
[galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o
[ódio.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. A flor e a náusea. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1979. p.161.
Analisando-se o título “A flor e a náusea” dentro do contexto do poema, pode-se afirmar que ele
I. traduz uma incoerência lógica, são duas palavras incompatíveis à temática e seu uso é inapropriado.
II. revela duas realidades antagônicas, constituindo um paradoxo simbólico.
III. são dois sintagmas nominais, sem vínculo metafórico em suas representações.
IV. confere ao poema, simultaneamente, ideia de lirismo e de mazelas.
A alternativa em que todas as afirmativas estão corretas é a
I e II.
I e III.
II e III.
I e IV.
II e IV.