Texto 3
A carta-renúncia de Jânio Quadros
Fui vencido pela reação e, assim, deixo o governo. Nestes sete meses cumpri com o meu dever. Tenho-o cumprido, dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.
Brasília, 25 de agosto de 1961.
Jânio Quadros
Disponível em: <http://liberalspace.net/2009/08/25/carta-renuncia-de-janioquadros- 25081961>. Acesso em: 27 abr. 2012.
Para o leitor contemporâneo, levando-se em conta o tipo de governo que viria se instalar no Brasil em 1964, os agradecimentos dirigidos na carta-renúncia constituem
uma metáfora, pois a luta operária deu o tom do governo de João Goulart.
uma ambiguidade, pois a reforma de base promovida por Jango privilegiou os estudantes.
uma ironia, pois sob a justificativa de restaurar a ordem no país os militares tomam o poder.
um exagero, pois imediatamente após a renúncia o país voltou à harmonia político-social.
um paradoxo, pois o governo de Jânio Quadros se caracterizou por favorecer as oligarquias dominantes.