UECE 2015

Texto 2

 

O Verbo For

 

  Vestibular de verdade era no meu tempo.  

[50] Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da  

vida em que tudo de bom era no meu tempo;  

meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e  

mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa  

não ser reacionário. Somos uma força histórica  

[55] de grande valor. Se não agíssemos com o vigor  

necessário — evidentemente o condizente com  

a nossa condição provecta —, tudo sairia fora  

de controle, mais do que já está. O vestibular,  

é claro, jamais voltará ao que era outrora e  

[60] talvez até desapareça, mas julgo necessário  

falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo  

às minhas coevas (ao dicionário outra vez;  

domingo, dia de exercício). 

  O vestibular de Direito a que me submeti,  

[65] na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha  

só quatro matérias: português, latim, francês  

ou inglês e sociologia. Nada de cruzinhas,  

múltipla escolha ou matérias que não  

interessassem diretamente à carreira. Tudo  

[70]escrito tão ruybarbosianamente quanto  

possível, com citações decoradas,  

preferivelmente.  

  Havia provas escritas e orais. A escrita já  

dava nervosismo, da oral muitos nunca se  

[75] recuperaram inteiramente, pela vida afora.  

Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e  

partia-se para o martírio, insuperável por  

qualquer esporte radical desta juventude de  

hoje.  

[80]   O maior público das provas orais era o  

que já tinha ouvido falar alguma coisa do  

candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei  

show de português e inglês. O de português  

até que foi moleza, em certo sentido. O  

[85] professor José Lima, de pé e tomando um  

cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras  

aladas: 

  — Dou-lhe dez, se o senhor me disser  

qual é o sujeito da primeira oração do Hino  

[90] Nacional!  

  — As margens plácidas — respondi  

instantaneamente e o mestre quase deixa cair  

a xícara. 

  — Por que não é indeterminado,  

[95] "ouviram, etc."?  

  — Porque o "as" de "as margens plácidas"  

não é craseado. Quem ouviu foram as margens  

plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que  

existem no hino. "Nem teme quem te adora a  

[100] própria morte": sujeito: "quem te adora." Se  

pusermos na ordem direta... 

  — Chega! — berrou ele. — Dez! Vá para a  

glória! A Bahia será sempre a Bahia! 

  Quis o irônico destino, uns anos mais  

[105] tarde, que eu fosse professor da Escola de  

Administração da Universidade Federal da  

Bahia e me designassem para a banca de  

português, com prova oral e tudo. Eu tinha  

fama de professor carrasco, que até hoje  

[110] considero injustíssima, e ficava muito  

incomodado com aqueles rapazes e moças  

pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela  

vez, chegou um sem o menor sinal de  

nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e  

[115] abotoaduras vistosas. A prova oral era  

bestíssima. Mandava-se o candidato(a) ler  

umas dez linhas em voz alta (sim, porque  

alguns não sabiam ler) e depois se perguntava  

o que queria dizer uma palavra trivial ou outra,  

[120] qual era o plural de outra e assim por diante.  

Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não  

acertou a responder nada. Então, eu, carrasco  

fictício, peguei no texto uma frase em que a  

palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser"  

[125] quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele  

distinguir qual é o verbo, considero-o um  

gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus  

quiser.  

  — Esse "for" aí, que verbo é esse? 

[130]   Ele considerou a frase longamente, como  

se eu estivesse pedindo que resolvesse a 

quadratura do círculo, depois ajeitou as  

abotoaduras e me encarou sorridente. 

  — Verbo for. 

[135]   — Verbo o quê?  

  — Conjugue aí o presente do indicativo  

desse verbo.  

  — Eu fonho, tu fões, ele fõe — recitou  

[140] ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles  

fõem. 

  Não, dessa vez ele não passou. Mas, se  

perseverou, deve ter acabado passando e hoje  

há de estar num posto qualquer do Ministério  

[145] da Administração ou na equipe econômica, ou  

ainda aposentado como marajá, ou as três  

coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito  

mais divertido do que hoje e, nos dias que 

correm, devidamente diplomado, ele deve  

[150] estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase  

toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas  

ele fõe. 

RIBEIRO, João Ubaldo. O Conselheiro Come. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2000. p. 20-23. 

 

A crônica de João Ubaldo tem uma estrutura curiosa. Escreva V para o que for verdadeiro e F, para o que for falso sobre essa estrutura.

 

( ) O primeiro enunciado da crônica, que é também o primeiro da introdução (linha 49), expressa a ideia central do texto.

( ) A introdução é interrompida já na linha 49.

( ) Da linha 50 até a linha 58, quando retoma o enunciado introdutório, o enunciador faz uma digressão ou divagação, afastando-se do tema principal do texto.

( ) A introdução de pequenos fatos narrados levanos a entender que o texto, na realidade, não é uma crônica. Ele configura um novo tipo de texto que poderíamos denominar de gênero misto.

( ) A conclusão da crônica começa na linha 147, com o vocábulo “vestibular”. A partir dessa linha, poderíamos ter um novo parágrafo.

 

Está correta, de cima para baixo, a seguinte sequência:

a

F, F, V, V, V. 

b

V, V, F, F, V. 

c

V, V, V, F, V.

d

F, F, V, V, F.

Ver resposta
Ver resposta
Resposta
C
Resolução
Assine a aio para ter acesso a esta e muitas outras resoluções
Mais de 250.000 questões com resoluções e dados exclusivos disponíveis para alunos aio.
Tudo com nota TRI em tempo real
Saiba mais
Esta resolução não é pública. Assine a aio para ter acesso a essa resolução e muito mais: Tenha acesso a simulados reduzidos, mais de 200.000 questões, orientação personalizada, video aulas, correção de redações e uma equipe sempre disposta a te ajudar. Tudo isso com acompanhamento TRI em tempo real.
Dicas
expand_more
expand_less
Dicas sobre como resolver essa questão
Erros Comuns
expand_more
expand_less
Alguns erros comuns que estudantes podem cometer ao resolver esta questão
Conceitos chave
Conceitos chave sobre essa questão, que pode te ajudar a resolver questões similares
Estratégia de resolução
Uma estratégia sobre a forma apropriada de se chegar a resposta correta
Depoimentos
Por que os estudantes escolhem a aio
Tom
Formando em Medicina
A AIO foi essencial na minha preparação porque me auxiliou a pular etapas e estudar aquilo que eu realmente precisava no momento. Eu gostava muito de ter uma ideia de qual era a minha nota TRI, pois com isso eu ficava por dentro se estava evoluindo ou não
Sarah
Formanda em Medicina
Neste ano da minha aprovação, a AIO foi a forma perfeita de eu entender meus pontos fortes e fracos, melhorar minha estratégia de prova e, alcançar uma nota excepcional que me permitiu realizar meu objetivo na universidade dos meus sonhos. Só tenho a agradecer à AIO ... pois com certeza não conseguiria sozinha.
A AIO utiliza cookies para garantir uma melhor experiência. Ver política de privacidade
Aceitar