UFMS 2017

Texto 1

A INFINITA FIADEIRA

A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso amor está por um fio!

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.

E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.

Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.

- Não faço teias por instinto.

- Então, faz por quê?

- Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:

- Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?

E o pai:

- Já eu me vejo em palpos de mim...

Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:

- Estamos recebendo queixas do aranhal.

- O que é que dizem, mãe?

- Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.

- Vai ver que custa menos que engolir mosca - disse a mãe.

E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?

A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime.

Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

- Faço arte.

- Arte?

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos - chamados de obras de arte - tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

COUTO, Mia. A infinita fiadeira. In.: ______. O Fio das Missangas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Texto 2

Os animais, esses não falam. [...] Claro, fazemo-los falar, e de todas as maneiras, umas mais inocentes que as outras. Eles falam o discurso moral do homem [...]. Suportaram o discurso estrutural na teoria do totemismo. Fornecem todos os dias a sua mensagem “objetiva” – anatômica, fisiológica, genética – nos laboratórios. Serviram alternadamente de metáfora para as virtudes e os vícios, de modelo energético e ecológico, de modelo mecânico e formal na biônica, de registo fantasmático para o inconsciente e, em data mais recente, de modelo de desterritorialização absoluta do desejo no “devir animal” de Deleuze (paradoxal: tomar o animal como modelo de desterritorialização quando ele é, por excelência, o ser do território).

BAUDRILLARD, Jean. Os animais. Território e metamorfose. In.: ______. Simulacros e Simulação. Tradutora Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio D´água, 1981.

É possível afirmar que, na epígrafe do Texto 1, o aspecto de humor gerado dá-se:
a
Pela retomada de uma imagem comum, tal qual a imagem da aranha em uma teia, o que, por si só, carrega um aspecto cômico, haja vista a função da teia como fonte de alimento.
b
Pelo mecanismo de deslocamento lógico da epígrafe com o restante do texto que precede, na medida em que destoam do ponto de vista temático e estrutural, não apresentando aspectos em comum, que promovem o tom humorístico.
c
Pelo jogo de repetição de palavras que, por si só, garante o veio cômico, promovendo o riso fácil, uma vez que tal recurso sempre promove tal efeito.
d
Pelo uso lúdico da linguagem, simultaneamente, em três momentos: a brincadeira com a formação do masculino de “a aranha”; a imagem de uma aranha “ateia”, que joga com a formação da palavra; e a ambiguidade do “amor por um fio” que, no caso, pode ser lido tanto como uso denotativo quanto conotativo.
e
Pelo uso literal dos termos que, dado o texto que precede, fortalece o aspecto denotativo em detrimento do conotativo.
Ver resposta
Ver resposta
Resposta
D
Resolução
Assine a aio para ter acesso a esta e muitas outras resoluções
Mais de 250.000 questões com resoluções e dados exclusivos disponíveis para alunos aio.
Tudo com nota TRI em tempo real
Saiba mais
Esta resolução não é pública. Assine a aio para ter acesso a essa resolução e muito mais: Tenha acesso a simulados reduzidos, mais de 200.000 questões, orientação personalizada, video aulas, correção de redações e uma equipe sempre disposta a te ajudar. Tudo isso com acompanhamento TRI em tempo real.
Dicas
expand_more
expand_less
Dicas sobre como resolver essa questão
Erros Comuns
expand_more
expand_less
Alguns erros comuns que estudantes podem cometer ao resolver esta questão
Conceitos chave
Conceitos chave sobre essa questão, que pode te ajudar a resolver questões similares
Estratégia de resolução
Uma estratégia sobre a forma apropriada de se chegar a resposta correta
Depoimentos
Por que os estudantes escolhem a aio
Tom
Formando em Medicina
A AIO foi essencial na minha preparação porque me auxiliou a pular etapas e estudar aquilo que eu realmente precisava no momento. Eu gostava muito de ter uma ideia de qual era a minha nota TRI, pois com isso eu ficava por dentro se estava evoluindo ou não
Sarah
Formanda em Medicina
Neste ano da minha aprovação, a AIO foi a forma perfeita de eu entender meus pontos fortes e fracos, melhorar minha estratégia de prova e, alcançar uma nota excepcional que me permitiu realizar meu objetivo na universidade dos meus sonhos. Só tenho a agradecer à AIO ... pois com certeza não conseguiria sozinha.
A AIO utiliza cookies para garantir uma melhor experiência. Ver política de privacidade
Aceitar