ITA 2016

Texto
[1]    Vou confessar um pecado: às vezes, faço maldades. Mas não faço por mal. Faço o que faziam os
mestres zen com seus "koans". "Koans" eram rasteiras que os mestres passavam no pensamento dos
discípulos. Eles sabiam que só se aprende o novo quando as certezas velhas caem. E acontece que eu
gosto de passar rasteiras em certezas de jovens e de velhos...
[5]    Pois o que eu faço é o seguinte. Lá estão os jovens nos semáforos, de cabeças raspadas e caras
pintadas, na maior alegria, celebrando o fato de haverem passado no vestibular. Estão pedindo dinheiro para
a festa! Eu paro o carro, abro a janela e na maior seriedade digo: "Não vou dar dinheiro. Mas vou dar um
conselho. Sou professor emérito da Unicamp. O conselho é este: salvem-se enquanto é tempo!". Aí o sinal
fica verde e eu continuo.
[10]    "Mas que desmancha-prazeres você é!", vocês me dirão. É verdade. Desmancha-prazeres. Prazeres
inocentes baseados no engano. Porque aquela alegria toda se deve precisamente a isto: eles estão
enganados.
    Estão alegres porque acreditam que a universidade é a chave do mundo. Acabaram de chegar ao
último patamar. As celebrações têm o mesmo sentido que os eventos iniciáticos – nas culturas ditas
[15] primitivas, as provas a que têm de se submeter os jovens que passaram pela puberdade. Passadas as
provas e os seus sofrimentos, os jovens deixaram de ser crianças. Agora são adultos, com todos os seus
direitos e deveres. Podem assentar-se na roda dos homens. Assim como os nossos jovens agora podem
dizer: "Deixei o cursinho. Estou na universidade".
    Houve um tempo em que as celebrações eram justas. Isso foi há muito tempo, quando eu era jovem.
[20] Naqueles tempos, um diploma universitário era garantia de trabalho. Os pais se davam como prontos para
morrer quando uma destas coisas acontecia: 1) a filha se casava. Isso garantia o seu sustento pelo resto da
vida; 2) a filha tirava o diploma de normalista. Isso garantiria o seu sustento caso não casasse; 3) o filho
entrava para o Banco do Brasil; 4) o filho tirava diploma.
    O diploma era mais que garantia de emprego. Era um atestado de nobreza. Quem tirava diploma não
[25] precisava trabalhar com as mãos, como os mecânicos, pedreiros e carpinteiros, que tinham mãos rudes e
sujas.
    Para provar para todo mundo que não trabalhavam com as mãos, os diplomados tratavam de pôr no
dedo um anel com pedra colorida. Havia pedras para todas as profissões: médicos, advogados, músicos,
engenheiros. Até os bispos tinham suas pedras.
[30]    (Ah! Ia me esquecendo: os pais também se davam como prontos para morrer quando o filho entrava
para o seminário para ser padre – aos 45 anos seria bispo – ou para o exército para ser oficial – aos 45 anos
seria general.)
    Essa ilusão continua a morar na cabeça dos pais e é introduzida na cabeça dos filhos desde
pequenos. Profissão honrosa é profissão que tem diploma universitário. Profissão rendosa é a que tem
[35] diploma universitário. Cria-se, então, a fantasia de que as únicas opções de profissão são aquelas oferecidas
pelas universidades.
    Quando se pergunta a um jovem "O que é que você vai fazer?", o sentido dessa pergunta é "Quando
você for preencher os formulários do vestibular, qual das opções oferecidas você vai escolher?". E as
opções não oferecidas? Haverá alternativas de trabalho que não se encontram nos formulários de
[40] vestibular?
    Como todos os pais querem que seus filhos entrem na universidade e (quase) todos os jovens querem
entrar na universidade, configura-se um mercado imenso, mas imenso mesmo, de pessoas desejosas de
diplomas e prontas a pagar o preço. Enquanto houver jovens que não passam nos vestibulares das
universidades do Estado, haverá mercado para a criação de universidades particulares. É um bom negócio.
[45]    Alegria na entrada. Tristeza ao sair. Forma-se, então, a multidão de jovens com diploma na mão, mas
que não conseguem arranjar emprego. Por uma razão aritmética: o número de diplomados é muitas vezes
maior que o número de empregos.
    Já sugeri que os jovens que entram na universidade deveriam aprender, junto com o curso "nobre"
que frequentam, um ofício: marceneiro, mecânico, cozinheiro, jardineiro, técnico de computador, eletricista,
[50] encanador, descupinizador, motorista de trator... O rol de ofícios possíveis é imenso. Pena que, nas escolas,
as crianças e os jovens não sejam informados sobre essas alternativas, por vezes mais felizes e mais
rendosas.
    Tive um amigo professor que foi guindado, contra a sua vontade, à posição de reitor de um grande
colégio americano no interior de Minas. Ele odiava essa posição porque era obrigado a fazer discursos. E ele
[55] tremia de medo de fazer discursos. Um dia ele desapareceu sem explicações. Voltou com a família para o
seu país, os Estados Unidos. Tempos depois, encontrei um amigo comum e perguntei: "Como vai o
Fulano?". Respondeu-me: "Felicíssimo. É motorista de um caminhão gigantesco que cruza o país!".
(Rubem Alves. Diploma não é solução, Folha de S. Paulo, 25/05/2004.)

 

Texto

 

[1]   Com o declínio da velha lavoura e a quase concomitante ascensão dos centros urbanos, precipitada  

grandemente pela vinda, em 1808, da Corte Portuguesa e depois pela Independência, os senhorios rurais  

principiam a perder muito de sua posição privilegiada e singular. Outras ocupações reclamam agora igual  

eminência, ocupações nitidamente citadinas, como a atividade política, a burocracia, as profissões liberais.  

[5]   É bem compreensível que semelhantes ocupações venham a caber, em primeiro lugar, à gente  

principal do país, toda ela constituída de lavradores e donos de engenhos. E que, transportada de súbito  

para as cidades, essa gente carregue consigo a mentalidade, os preconceitos e, tanto quanto possível, o  

teor de vida que tinham sido atributos específicos de sua primitiva condição.  

  Não parece absurdo relacionar a tal circunstância um traço constante de nossa vida social: a posição  

[10] suprema que nela detêm, de ordinário, certas qualidades de imaginação e “inteligência”, em prejuízo das  

manifestações do espírito prático ou positivo. O prestígio universal do “talento”, com o timbre particular que  

recebe essa palavra nas regiões, sobretudo, onde deixou vinco mais forte a lavoura colonial e escravocrata,  

como o são eminentemente as do Nordeste do Brasil, provém sem dúvida do maior decoro que parece  

conferir a qualquer indivíduo o simples exercício da inteligência, em contraste com as atividades que  

[15] requerem algum esforço físico.  

  O trabalho mental, que não suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir, com efeito, ocupação  

em todos os sentidos digna de antigos senhores de escravos e dos seus herdeiros. Não significa  

forçosamente, neste caso, amor ao pensamento especulativo, – a verdade é que, embora presumindo o  

contrário, dedicamos, de modo geral, pouca estima às especulações intelectuais – mas amor à frase sonora,  

[20] ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. E que para bem corresponder ao  

papel que, mesmo sem o saber, lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento  

de conhecimento e de ação.  

  Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda merecem largo crédito, as  

qualidades do espírito substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns dos seus distintivos materiais,  

[25] como o anel de grau e a carta de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza. Aliás, o  

exercício dessas qualidades que ocupam a inteligência sem ocupar os braços, tinha sido expressamente  

considerado, já em outras épocas, como pertinente aos homens nobres e livres, de onde, segundo parece, o  

nome de liberais dado a determinadas artes, em oposição às mecânicas que pertencem às classes servis.  

(Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984, p. 50-51) 

 

Assinale a opção que expressa o que há de comum nos Textos.  

a

Os equívocos nas escolhas profissionais dos jovens. 

b

A absorção de profissionais de trabalho intelectual pelo mercado. 

c

O crescimento dos centros urbanos e das profissões que lhes são típicas.  

d

A valorização do trabalho intelectual em detrimento do trabalho manual. 

e

A formação histórico-social da distinção entre o trabalho intelectual e manual. 

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D
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