Texto 1
Você reconhece quando chega a felicidade?
Tenho uma forte antipatia pela obrigação de ser
feliz que acompanha o Carnaval. Quem foge da folia
ganha o rótulo de antissocial, depressivo ou chato. Nada
contra o Carnaval. Apenas contra essa confusão de
conceitos. Uma festa alegre não significa que você
esteja plenamente feliz. E forçar uma situação de
felicidade tem tudo para terminar em arrependimento e
frustração.
Aliás, você reconhece a felicidade quando ela
chega? Sabe que está sendo feliz naquele momento?
Espere um pouco antes de responder. Pense de novo.
Estamos falando de felicidade! Não de uma
alegria qualquer. E qual é a diferença? Bem, descrever
a felicidade não é fácil. Ela é muito recatada. Não fica ali
posando para foto, sabe? Mas um Manual de
Reconhecimento da felicidade diria mais ou menos o
seguinte: ela é mansa. Não faz barulho. Ao mesmo
tempo é farta. Quando chega, ocupa um espaço
danado. Apesar disso, você quase não repara que ela
está ali. Se chamar a atenção, não é ela. É euforia.
Alegria. A licenciosidade de uma noite de Carnaval. Ou
um reles frenesi qualquer, disfarçado de felicidade.
A dita cuja é discreta. Discretíssima. E muito
tranquila. Ela o faz dormir melhor. E olha, vou lhe contar
uma coisa: a felicidade é inimiga da ansiedade. As duas
não podem nem se ver. Essa é a melhor pista para o
seu Manual de Reconhecimento da Felicidade. Se você
se apaixonou e está naquela fase de pura ansiedade,
mesmo que esteja superfeliz, não é felicidade. É
excitação. Paixonite. Quando a ansiedade for embora,
pode ser que a felicidade chegue. Mas ninguém
garante.
É temperamental a felicidade. Não vem por
qualquer coisa. E para ficar então... hi, não conheço
nenhum caso de alguém que a tenha tido por perto a
vida inteira. Por isso é tão importante reconhecê-la
quando ela chega. Entendeu agora por que a minha
pergunta? Será que você sabe mesmo quando está
feliz?
Ou será que você só consegue saber que foi feliz
quando a felicidade já passou?
Eu estudo muito a felicidade. Mas não consigo
reconhecê-la. Talvez porque eu seja péssima
fisionomista. Ou porque ela seja muito mais esperta do
que eu. Mais sábia. Fato é que eu só sei que fui feliz
depois. No futuro. Olho para o passado e reconheço:
“Nossa, como eu fui feliz naquela época!” Mas no
presente ela sempre me dá uma rasteira. Ando por aí,
feliz da vida e nem sei que estou nesse estado. Por isso
aproveito menos do que poderia a graça que é ter
assim, tão pertinho, a tal felicidade.
Nos últimos tempos, dei para fazer uma lista de
momentos felizes. E aqui é importante deixar claro que
esses momentos devem durar um certo período de
tempo. Um episódio isolado feliz – como quatro dias de
Carnaval, por exemplo – não significa felicidade. A
felicidade, quando vem, não vem de passagem. Não
dura para sempre, mas dura um tempinho. Gosta de
uma certa estabilidade, [...] Sabendo quando você foi
feliz, é mais fácil descobrir por que foi feliz. Para ser
ainda mais funcional, é bom que a lista seja cronológica.
Lendo a minha, constato que fico cada vez mais feliz e
por mais tempo.
Será que ela está aqui agora? Não sei dizer. Mas
a paz de que desfruto agora é um sintoma dela. E isso
não tem nada a ver com a tal obrigação de ser feliz
desfilando no Sambódromo. Continuo meus estudos. Já
tenho certeza de que hoje sou mais amiga da felicidade
do que jamais fui em qualquer tempo.
Ana Paula Padrão (adaptado) Revista ISTOÉ 2206, de 22/02/2012
Todas as afirmativas estão corretas, EXCETO:
Em “Já tenho certeza de que hoje sou mais amiga da felicidade...” (l. 67 e 68), observa-se um período composto por subordinação.
Em “Mas a paz de que desfruto agora é um sintoma dela” (l. 64 e 65), existe uma conjunção que inicia uma oração substantiva completiva nominal.
Em “Lendo a minha, constato que fico cada vez mais feliz e por mais tempo.” (l. 62 e 63), tem-se o pronome possessivo que se refere ao vocábulo lista.
Em “Aliás, você reconhece a felicidade quando ela chega?” (l. 9 e 10), pode-se classificar as orações, respectivamente, como principal e como subordinada adverbial temporal.