Texto 1
Uma Capitu Nordestina
Cada novo livro de Josué Montello é um
acontecimento em nossas letras. Sua
fecundidade literária, aliás [...], nunca se fez
com sacrifício de seu esmero na expressão
verbal. Pelo contrário, esse esmero atingiu seu
alto grau de perfeição com Aleluia, mas de forma
alguma se esgotou na sua busca de concisão,
outra meta constante em sua estilística pessoal.
Ainda agora, o que o levou a reeditar esse quase
primeiro livro de sua “maturidade literária”,
como ele próprio assinalou, foi a preocupação
estritamente estilística e não estrutural, junto ao
cuidado de preservar o tipo de sua personagem
central, a jovem Benzinho, e o ambiente
maranhense de todos os seus romances.
Aliás, se a paisagem maranhense desse
romance nada tem a ver com a rude paisagem
tipicamente nordestina dos romances de um José
Lins do Rego ou de um José Américo, o caráter
da jovem Maria de Lourdes Silva, apelidada
Benzinho desde a infância, nada tem a ver com o
tipo genuíno das jovens nordestinas, como aliás
dos homens da região, onde a firmeza de caráter
é a expressão mais representativa do
temperamento nordestino, pela supremacia dos
valores morais sobre os valores eróticos e
sobretudo hedonísticos. Sendo esse romance dos
seus vinte anos uma tentativa quase
subconsciente de reação antirromântica, não é
de espantar que essa adolescente dos subúrbios
de São Luís, o bairro do Anil, se pareça mais com
a sofisticada carioca Capitu do que com qualquer
das Inocências, ou Moreninhas do romantismo de
sua época.
Benzinho, pela mão feiticeira de seu criador
literário, que, aliás, colheu o modelo na vida real,
passa ao longo do romance sem que o autor se
aprofunde em qualquer análise psicológica da
passagem de uma condição de vítima inocente à
de uma representante típica, embora
inconsciente, de um fenômeno sociológico, o da
ascensão social, que, ao contrário do tipo
habitual da mulher nordestina, coloca
inteiramente de lado as razões do coração ou da
sensualidade para se dirigir exclusivamente pela
razão. E pelo raciocínio rigorosamente
interesseiro de promoção social ou de influência
exterior. Quando, pela primeira vez, se entrega a
um quase desconhecido, é levada
exclusivamente por uma frase eventual de sua
mãe, que lhe confidenciara a vontade de ter um
neto. Pela segunda vez, o que a levou a fazer o
mesmo foi simplesmente a ambição de casar
com um vizinho rico.
Em ambos os casos, absoluta ausência de
sentimento passional e, no fundo, preocupações
de tipo masculino mais que feminino. Não é a
preocupação feminista de emancipação de seu
sexo, mas a passividade em face de um desejo
materno e o impulso masculino de ambição
social.
Aliás, na criação da personagem central
dessa jovem Capitu nordestina, tocava Josué
Montello em um fenômeno típico das sociedades
modernas: a confusão ou o desencontro entre os
sexos, em sua respectiva natureza biológica e
psicológica. Já Aristóteles verificava haver
homens de alma feminina e vice-versa. Assim
como não há, entre as várias idades do ser
humano, limites claros e positivos, assim
também não existe, entre os sexos, uma
psicologia respectivamente incompatível. O que é
preciso é não confundir o desencontro de
psicologias com a confusão, ou antes, a inversão
das psicologias. Uma coisa é um homem de alma
feminina e outra um homem efeminado.
Naqueles, o que vemos é o predomínio de certas
qualidades, que normalmente distinguem a alma
feminina, sem que, entretanto, essa troca
perturbe seus valores máximos.
(Introdução. ATHAYDE, Tristão de. In: MONTELLO, Josué. Romances e novelas. V. 1. P. 109-111.)
Considerando o raciocínio do autor do texto, atente ao que se diz nas seguintes afirmações:
I. A paisagem do romance “Janelas Fechadas”, de Josué Montello, está para a paisagem tipicamente nordestina dos romances de José Lins do Rego e de José Américo, assim como o caráter da jovem Benzinho está para o tipo genuíno das jovens nordestinas e, de maneira geral, dos homens dessa região.
II. A adolescente da cidade de São Luís está para a sofisticada Capitu, assim como a mesma adolescente está para qualquer das Inocências ou Moreninhas do romantismo da época.
III. As razões do coração estão para Benzinho assim como o valor da ascensão social está para a mulher nordestina.
Está correto o que se diz em
I e III apenas.
II e III apenas.
I e II apenas.
I, II e III.