Texto 1
Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 42.
Texto 2
Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela
Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura:
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura:
Matem-me, disse eu vendo abrasar-me,
Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:
Olhos meus, disse então por defender-me,
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.
MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 201.
Texto 3
No dia de quarta-feira de cinzas
Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,
Te lembra hoje Deus por sua Igreja;
De pó te faz espelho, em que se veja
A vil matéria, de que quis formar-te.
Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te,
E como o teu baixel sempre fraqueja
Nos mares da vaidade, onde peleja,
Te põe à vista a terra, onde salvar-te.
Alerta, alerta, pois, que o vento berra.
Se assopra a vaidade e incha o pano,
Na proa a terra tens, amaina e ferra.
Todo o lenho mortal, baixel humano,
Se busca a salvação, tome hoje terra,
Que a terra de hoje é porto soberano.
MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 309
Com base na leitura dos Textos 1, 2 e 3, e, considerando as características da produção poética de Gregório de Matos, assinale a alternativa CORRETA.
O Texto 1 é um exemplo da poesia filosófica de Gregório de Matos e apresenta recursos estilísticos e estéticos característicos do Barroco, como: jogos de palavras, clareza, objetividade, ordem direta dos versos e aliteração.
A poesia satírica de Gregório de Matos evidencia-se, no Texto 1, por meio da crítica social que revela a subversão dos valores em uma sociedade que privilegiava os desonestos e os corruptos.
Gregório de Matos ficou conhecido como o “Boca do Inferno”, em razão de seus poemas satíricos que criticavam representantes da igreja, conforme se nota nos Textos 1, 2 e 3, os quais retomam preceitos estéticos clássicos na denúncia social.
No Texto 2, exemplo da poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos, o eu lírico utiliza linguagem denotativa para expor seu conflito entre o desejo carnal e o pecado, superando, no último verso, o sentimento de culpa com retorno ao equilíbrio espiritual.
Com linguagem simples e direta, priorizando-se o Cultismo na organização do soneto, o Texto 3 é um exemplo da poesia religiosa de Gregório de Matos e dialoga com intertexto bíblico: o homem é pó e ao pó retornará.