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Chico Buarque e Caetano Veloso rejeitam biografias não autorizadas. O que têm a esconder dos leitores?
Euler de França Belém
Chico Buarque e Caetano Veloso são artistas talentosos, às vezes até apresentados como intelectuais. O segundo, sobretudo, escreve artigos e concede entrevistas em que debate com intelectuais gabaritados, como Roberto Schwarz. Chico escreve romances inspirados no nouveau roman e, como Caetano, é um compositor do primeiro time. Porém, quando se unem numa campanha contra as biografias não autorizadas, mostram que não diferem dos políticos autoritários que, há pouco tempo, censuravam livros e músicas.
É certo que há biógrafos e biógrafos. Alguns especializam-se em escarafunchar a lama e nada acrescentam de enriquecedor para a cultura. Mas tais “pesquisadores” logo são esquecidos e seus livros são ridicularizados pelos leitores. Caem logo na lata de lixo da falta de seriedade. A posição de Chico e Caetano — que lideram outros artistas e copiam Roberto Carlos (quem diria!) — prejudica muito os biógrafos sérios, como Fernando Morais, Ruy Castro, Lira Neto e Mário Magalhães.
As biografias escritas por Morais (autor da excelente “Chatô: O Rei do Brasil”), Ruy Castro (escreveu biografias de Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmen Miranda), Lira Neto (biógrafo exemplar de Castello Branco, José de Alencar e Getúlio Vargas) e Magalhães (autor de uma biografia seminal de Carlos Marighella) contribuem para entender a vida dos personagens e também, talvez sobretudo, para compreender o período em que viveram e criaram. O objetivo deles é mostrar os homens em sua inteireza, porque só biografias amplas, nuançadas, podem explicar a complexidade dos indivíduos. Mas nenhuma delas denigre a imagem dos biografados. Pelo contrário, eles ficam até “maiores”. As biografias autorizadas costumam ser menos biografias e mais hagiografias. Como se sabe, lugar de santo é na igreja, não nas livrarias ou nas estantes (e computadores) dos leitores. O que Chico, Caetano e Gilberto Gil têm a esconder? Roberto Carlos ao menos tem uma perna mecânica. Além do trauma.
Texto 2
Texto 3
Página infeliz da nossa história
Jerônimo Teixeira
São apenas três os tipos de biografias. Existem as autorizadas e as não autorizadas, ambas, a despeito de sua qualidade, úteis à sociedade. O terceiro tipo é um tiro no pé das democracias, é a biografia censurada. Pois é justamente esse o tipo de biografia que nossos ídolos querem ver prevalecer no Brasil. Nossos ídolos não são mais os mesmos. Eles passaram a semana inteira tentando, em vão, explicar que acham sensato o biografado censurar sua biografia, mas que isso não significa a morte da liberdade, justamente a causa que os tomou célebres, admirados, amados e, claro, biografáveis! Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil enfiaram-se em um labirinto retórico de dar dó. A cada nova justificativa, desciam mais um degrau do autoritarismo. A cada falsidade desmascarada, desciam um ponto na escala da admiração que conquistaram no coração dos brasileiros.
[...]
Está em jogo neste debate, um princípio inegociável da democracia: a liberdade de expressão. Embora seja vital para todo e qualquer cidadão, a liberdade de expressão deveria ser especialmente cara a quem tem na arte o seu ofício, e talvez ainda mais aos músicos da geração que nos anos 60 e 70, sofreu com a censura do regime militar. No entanto, foram estes que se mobilizaram para solapar esse fundamento do Estado de direito. No grupo ridiculamente chamado Procure Saber, capitaneado pela hábil empresária Paula Lavigne, estão Chico, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento, Erasmo Carlos e Roberto Carlos. De início, o grupo organizou-se para pedir mudanças na legislação sobre direitos autorais. Mas, no encontro que a trupe teve com a presidente para falar desse tema, Roberto Carlos aproveitou para adiantar sua preocupação maior: a manutenção dos dispositivos do Código Civil que permitem o veto a biografias não autorizadas. Esses pontos da lei estão sendo contestados, no Supremo Tribunal Federal, por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação Nacional de Editores de Livros.
[...]
As biografias são, desde a Antiguidade, fontes de informação preciosas — saberíamos menos sobre Alexandre, o Grande, ou Júlio César sem as Vidas Paralelas, de Plutarco —, mas não são apenas coleções aleatórias de fatos: elas oferecem uma interpretação do personagem e de seu tempo. "Nenhuma biografia é definitiva. Na França, deve estar na casa do milhão o número de biografias de Napoleão e a cada uma delas se renova a percepção sobre o personagem", diz a historiadora Mary Del Priore. É difícil e doloroso caracterizar Caetano, Gil, Chico e companhia como censores. Não combina com eles e suas obras. Talvez essa recaída no obscurantismo seja apenas uma página infeliz da nossa história.
Biografável (texto 1) é aquele
cuja vida é passível de ser contada.
que sabe construir com proficiência uma biografia.
cujo texto biográfico é de excelente qualidade.
que pode vir a ser um biógrafo.
cuja biografia não vale a pena de ser escrita.