Texto 1:
Boa-noite
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
[5] Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve... a calhandra
[10] já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!
[...]
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
[15] o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
[...]
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
[20] Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
[...]
CASTRO ALVES. Espumas Flutuantes. In: ___. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. p. 122-123.
Texto 2:
Virgem morta
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, e dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
[5] Bem cedo, ao menos eu serei contigo
— Na dor do coração a morte leio...
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio...
[...]
Dorme ali minha paz, minha esperança,
[10] Minha sina de amor morreu com ela,
E o gênio do poeta, lira eólia
Que tremia ao alento da donzela!
[...]
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida,
[15] Prantear os meus únicos amores,
Das minhas noites a visão perdida!
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
[20] Os sonhos de sua alma inocentinha.
E quando a mágoa devorar meu peito,
E quando eu morra de esperar por ela,
Deixai que eu durma ali e que descanse,
Na morte ao menos, junto ao seio dela!
ALVARES DE AZEVEDO. Lira dos vinte anos. In: ____. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
Quanto ao tratamento dado ao tema, constitui uma diferença significativa entre o Texto 1 e o Texto 2:
O Texto 1 é de um poeta que, embora vivesse no último momento do Romantismo, já antecipava a concepção de amor que viria a ser adotada no Simbolismo; já o Texto 2 é de um poeta da primeira geração romântica, para quem o verdadeiro amor é o idealizado, não sendo passível de ser concretizado
No Texto 1, trata-se de um amor, concreto, lúbrico, pleno de sensualidade, por mulheres que retribuem os arroubos do amado; já o Texto 2 apresenta o amor não realizado, por uma mulher pura, que morre virgem e que leva o amado a desejar a morte.
O autor do Texto 1, romântico, se caracteriza por sua identificação com o “mal do século” — pessimismo, saudosismo, egocentrismo, escapismo e obsessão pela morte; já, o autor do Texto 2, pós-romântico, tem uma produção lírica que focaliza, principalmente, o amor pleno de erotismo e sensualidade.
Além de seu pendor para o ativismo político na arte, o autor do Texto 1 é um poeta vinculado ao Arcadismo ou Neoclassicismo brasileiro, cuja característica principal é a exaltação da natureza e a busca do amor; já o autor do Texto 2, apesar de também se vincular ao Arcadismo, já apresenta características que seriam desenvolvidas plenamente no Romantismo, como os exageros verbais e a obsessão pela morte.
Apesar de ser um poeta Romântico, o autor do Texto 1 se caracteriza pelo uso de uma linguagem excessivamente rebuscada, com ênfase em antíteses e exageros, o que o vincula formalmente ao Barroco. Por outro lado, o autor do Texto 2 é considerado simbolista pelas características predominantes na sua poesia: uso de linguagem expressiva, fluida e musical, o que confere ritmo a seus poemas.