TEXTO 02
Vítima do Dualismo
Ser miserável dentre os miseráveis
— Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiossincrasias!
Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!
Psique biforme, o Céu e o Inferno absorvo...
Criação há um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,
Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!
(ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 166.)
A poesia de Augusto dos Anjos (texto 02) exige atenção, conhecimento e sensibilidade. Seus textos são originais e conduzem os leitores a um mundo de verdades doloridas, que os otimistas ocultam. Observe o soneto “Vítima do Dualismo” e analise as afirmativas a seguir:
I-No soneto “Vítima do Dualismo”, de Augusto dos Anjos, o eu lírico é pessimista e angustiado, encontra dentro de si contrastes terríveis, como pode ser observado no embate que se estabelece entre “inferno” e “céu”, entre “escuro” e “cor-de-rosa”; ou, ainda, no modo como o poeta se declara mais ou menos impotente para atenuar o sofrimento decorrente disso: “Ceva-se a minha carne, como um corvo,/ A simultaneidade ultramonstruosa/ De todos os contrastes famulentos!”. A expressão “cevar-se” é extremamente forte; fazem eco, nela, ideias de alimentação, de devoração.
II-O poeta declara-se pasto da simultaneidade, sente-se devorado, aniquilado pelo dualismo. Na terceira estrofe do poema, ainda exprime a amargura de sua “alma” vítima do “dualismo” e da “antinomia”. Os vocábulos em destaque são substantivos abstratos, geralmente exclusivos da Biologia e da Química, e estão relacionados no texto a “cóleras”, “implacáveis” e “gula negra”. Esse soneto de Augusto dos Anjos aponta outro dos traços característicos de sua poesia: pessimismo expresso por meio de uma linguagem científica, o que revela a adesão do poeta ao cientificismo, tão em moda no fim do século passa do que influenciou a literatura realista, naturalista e simbolista.
III-A poesia de Augusto dos Anjos é marcada pela união de duas concepções de mundo: de um lado, a dor cósmica, que busca o sentido da existência humana; de outro, a objetividade do átomo, a experiência físico-química.
IV-Num poema, falar de “células” e de “idiossincrasias” não é muito comum. Essas palavras costumam aparecer apenas em textos de cunho científico ou filosófico, que tratem, por exemplo, de Química ou de História. Assim, sua presença num texto literário, mais especificamente num poema, é muito rara.
Em relação às proposições analisadas, assinale a única alternativa cujos itens estão todos corretos: